DNOTICIAS.PT
Crónicas

O bom, o mau e o melhor amigo

Não é Portugal que precisa de uma reforma estrutural, é o PS que precisa de uma limpeza profunda

Na vida, e na política, somos sempre vítimas da perspectiva. No caso do PS, a perspectiva passou de “só o primeiro-ministro é corrupto e o resto do governo não sabia de nada” para, 8 anos depois, “todo o governo é corrupto e o primeiro-ministro é que não sabia de nada”. A perspectiva até pode ter mudado, mas os protagonistas são exatamente os mesmos. Não é Portugal que precisa de uma reforma estrutural, é o PS que precisa de uma limpeza profunda.

O bom: Marcelo Rebelo de Sousa

Para os mais distraídos, a declaração de Marcelo ao País, a anunciar a dissolução da Assembleia da República, parecia a continuação do discurso que fez na tomada de posse do governo que agora implodiu. Quase premonitório, em Março de 2022, Marcelo amarrou Costa à maioria absoluta do PS e avisou que a sua validade seria a do primeiro-ministro. É certo que não se elegem chefes de governo, mas é inegável que António Costa, primeiro na campanha e depois na governação, centrou toda a legitimidade política em si. Quem não se lembra do atrevimento de Costa, refastelado numa poltrona e na capa da Visão, em que vaticinava: “Vão ser quatro anos, habituem-se!”. Não foram. Mais do que legítima, do ponto de vista das suas competências constitucionais, e expectável, pelo alerta feito na posse do Governo, a decisão do Presidente da República foi a mais justa. Depois da violência do terramoto político, com ramificações profundas até ao núcleo central do governo, seria impensável negar aos portugueses a possibilidade de expressarem, nas urnas, a sua opinião. Marcelo percebeu que, mais do que a estabilidade de uma maioria absoluta, o País precisava de um momento de clarificação. Afinal, em democracia, as eleições nunca podem ser um problema. Pelo meio, o Presidente, por não querer ficar com o ónus de um orçamento chumbado, nem com a responsabilidade de um PRR em suspenso, atirou o ato eleitoral para Março. O único senão da dissolução é a hipótese de ficarmos com um problema político maior do que aquele que vivemos agora, ou seja, um resultado eleitoral que torne impossível a formação de maiorias parlamentares e, por consequência, de um governo estável. Sobre isso Marcelo não falou, mas será certamente a sua grande preocupação.

O mau: António Costa

Na hora do adeus, António Costa acertou em cheio. A dignidade das funções governativas é incompatível com a suspeição sobre a integridade, a boa conduta e, mais ainda, a suspeita da prática de um crime. É pena que só agora tenha acertado. Se o acerto tivesse sido mais precoce, o primeiro-minstro ter-nos-ia poupado a um rol de indignidades. A nomeação de Vítor Escária para seu chefe do gabinete - o homem de José Sócrates para a Venezuela, figura proeminente na acusação da Operação Marquês, negociador de fundos europeus e, simultaneamente, administrador de uma empresa beneficiária dos mesmos. A escolha e manutenção de João Galamba como ministro – suspeito, desde 2019, de corrupção na exploração de lítio, personagem principal da tentativa de ocultação de informação a uma comissão de inquérito e autor de uma fuga de informação sobre a Operação Marquês. A indicação de Miguel Alves para secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro – autor, enquanto autarca, de um adiantamento de 300 mil euros para construção de um centro de exposições que nunca chegaria a ser construído e arguido em dois processos-crime. António Costa não se demitiu por causa de um parágrafo num comunicado de imprensa da Procuradoria-Geral da República. O primeiro-ministro demitiu-se porque é o responsável político de um governo podre, rodeado de personagens tóxicas e submerso num pântano de imoralidade do qual o País levará anos a sair. E nem na hora da sua saída, António Costa reconheceu responsabilidade em tudo isto. Preferiu esconder-se atrás de um parágrafo.

O melhor amigo: Diogo Lacerda Machado

Se tivesse de escolher um símbolo da forma de fazer política de António Costa, essa escolha recairia sobre Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo do primeiro-ministro. Lacerda Machado reúne em si várias qualidades. A solidariedade abnegada de Carlos Santos Silva, o melhor amigo de Sócrates, a desfaçatez política de Carlos César e o gosto pelo conflito de João Galamba. Só este refinado naipe de competências, acompanhado de uma amizade desmedida, permitiu que Lacerda Machado tenha passeado a sua graça pela TAP com pouco mais do que o título de “amigo do patrão”. Primeiro, em representação do Estado na recompra da TAP em 2016, depois como administrador da companhia até 2021 e, já em 2023, como parte de um consórcio de empresários interessados na privatização da transportadora. Quase sempre sem mandato oficial, muitas vezes sem qualquer contrato escrito, mas sempre com a amizade ao primeiro-ministro ostentada ao peito. Essa cultura de informalidade é o grande legado político de António Costa e Lacerda Machado o seu maior expoente. Aconteceu na TAP, mas já tinha sido assim com no negócio do SIRESP, na compra dos helicópteros Kamov, no caso dos lesados do BES e no acordo do CaixaBank com Isabel dos Santos. Lacerda Machado é a prova de que, para o PS, não há melhor currículo do que ter um grande amigo no governo.