Embora para vigorar possivelmente apenas no primeiro semestre do ano, o Orçamento do Estado deverá ser aprovado pela maioria que o PS mantém no parlamento nacional. Em função do resultado das eleições agendadas para 10 de Março, é expectável que algumas medidas venham a cair, como o aumento do IUC ou a redução do IRS. Mas, neste momento, são apenas suposições, sendo apenas certo que António Costa e toda a sua equipa, apesar das suspeitas de corrupção e fraude que recaem sobre eles, se mantém em funções, com plenos poderes.
António Costa apresentou a sua demissão do cargo de primeiro-ministro ao Presidente da República no passado dia 7 de Novembro, mas só a partir do início de Dezembro verá o seu poder executivo limitado. Ele e todos os seus ministros e demais membros do Governo têm, entretanto, os seus poderes intactos, podendo governar em pleno.
Na prática, isto acontece porque Marcelo Rebelo de Sousa, depois de ouvido o Conselho de Estado, na tarde de ontem, decidiu adiar o processo formal de demissão do Governo por decreto, permitindo, desta forma, a aprovação e entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2024.
O Presidente da República anunciou que vai avançar com a dissolução do parlamento, de acordo com o artigo 133.º da Constituição da República Portuguesa, convocando, logo de seguida, eleições legislativas antecipadas, com “a garantia da indispensável estabilidade económica e social que é dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024, antes mesmo de ser formalizada a exoneração do actual primeiro-ministro em inícios de Dezembro”. A votação final global do Orçamento está agendada para 29 de Novembro.
O artigo 195.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa estabelece que “a aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro” é uma das circunstâncias que “implicam a demissão do Governo”.
Ainda assim, a demissão do Executivo “por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro” só se torna oficial com a publicação de um decreto do Presidente da República publicado em ‘Diário da República’, algo que ainda não aconteceu e só deverá ocorrer a partir do início do próximo mês.
Em casos anteriores, a publicação do decreto aconteceu no próprio dia da demissão do primeiro-ministro, no dia seguinte ou uma semana depois, mas também já houve intervalos maiores até essa oficialização através de decreto.
Essa oficialização determina o momento a partir do qual, nos termos do artigo 186.º, n.º 5 da Constituição, “após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”.
Por exemplo, a anterior demissão do líder máximo do Governo português, no caso, a de José Sócrates, foi anunciada a 23 de Março de 2011, tendo o respectivo decreto sido publicado em ‘Diário da República’, com a assinatura de Cavaco Silva, a 31 de Março, oito dias depois do anúncio.
Antes de Sócrates, também Santana Lopes se demitiu do cargo, a 13 de Dezembro de 2004. Jorge Sampaio, na altura Presidente da República, havia anunciado três dias antes que iria dissolver o parlamento e convocar eleições, isto numa altura em que o candidato do PSD tinha tinha o suporte de uma maioria absoluta no parlamento, como agora aconteceu com António Costa.
No mesmo dia, foi publicado o decreto do chefe de Estado dando conta da aceitação desse pedido de demissão.
Antes destes, também Durão Barroso e António Guterres se demitiram do cargo de primeiro-ministro de Portugal. O primeiro, 5 de Julho de 2004, tendo o decreto sido publicado no dia seguinte; já o segundo, a demissão aconteceu a 17 de Dezembro de 2003, tendo o decreto que efectivava essa decisão sido publicado no próprio dia, no ‘Diário da República’.
Decisão longe de reunir consensos
O Presidente da República cumpriu, até ao momento, o que está legalmente previsto perante a demissão do primeiro-ministro, já que previamente à aprovação do acto de dissolução, Marcelo Rebelo de Sousa ouviu o partidos representados na Assembleia da República e o Conselho de Estado, conforme estipulado na alínea e) do artigo 133.º da Constituição, não estando, ainda assim, juridicamente vinculado ao sentido maioritário dessas audições.
Ora, a decisão de não decretar imediatamente a demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro está longe de reunir consensos, havendo mesmo alguns constitucionalistas que apontam para uma “fraude à Constituição”.
É o caso de Paulo Otero ou Maria d'Oliveira Martins, que, em declarações do jornal ‘Negócios’, consideraram a situação contrária ao estipulado na Constituição.
Opinião semelhante tem Jorge Reis Novais, que, em declarações ao jornal ‘Público’, afirmou que o decreto de demissão terá de remeter para a data de 7 de Novembro, dia em que o Presidente da República anunciou que aceitava o pedido de demissão de António Costa. Caso não seja assim, diz mesmo que tal será uma “fraude à Constituição”.
“Estão a preparar-se para uma fraude à Constituição e publicar o decreto mais à frente sem dizer a data em que produz efeitos. Os decretos não podem mentir”, argumentou o professor da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, dizendo ser “incompreensível” esta decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, complementando que “o que é fraude à Constituição é aceitar a demissão num dia e só a formalizar um mês depois”.
Certo é que, para já, António Costa se mantém como primeiro-ministro, investido de todos os poderes que o cargo lhe garante. Ainda que formalmente, tanto ele como qualquer membro do seu governo, nomeadamente João Galamba, ministro das Infraestruturas, constituído arguido no âmbito da investigação aos negócios do lítio e do hidrogénio verde, por alegados crimes cometidos enquanto secretário de Estado da Energia e Ambiente, tenham toda a legitimidade para avançar com decisões que podem ser decisivas para o País, como, por exemplo, a venda da TAP, é expectável que não o façam. O ministro já anunciou que não tenciona demitir-se.
Agência Lusa , 10 Novembro 2023 - 16:13
A par disso, do ponto de vista político, coloca-se mesmo a questão da fragilidade destes governantes, aspecto que deverá ser notório, por exemplo, na discussão do Orçamento do Estado, nos próximos dias, na Assembleia da República, que só será dissolvida “por volta de 15 de Janeiro” de 2024, conforme já deu conta esta sexta-feira Augusto Santos Silva.
“Mantemos intacto o calendário orçamental (...) Seguiremos todos os prazos que estão já acertados quanto à apresentação de propostas de alteração por parte dos grupos parlamentares, audição de entidades que resta ouvir e, a partir de dia 23, o início do debate na especialidade, que se conclui no dia 29”, afirmou, aos jornalistas, no final da conferência de líderes, que se reuniu hoje para abordar as consequências para os trabalhos parlamentares decorrentes da decisão do Presidente da República de convocar eleições antecipadas para 10 de Março, na sequência da demissão do primeiro-ministro.
Pese embora a normalidade formal do funcionamento do parlamento, já foi anunciado o cancelamento dos debates quinzenais com o primeiro-ministro ou com os ministros. “Nós asseguraremos a fiscalização do Governo, quer na fase em que o Governo está em plenas funções, quer na fase em que passará a estar em gestão, recorrendo a debates de urgência, temáticos de actualidade", afirmou o presidente da Assembleia.
Perante todas estas condicionantes, importa ressalvar que, para já, o Governo manter-se-á em plenas funções, entrando em gestão no início de Dezembro, sendo certo que só quando tomar posse um novo chefe do Executivo, António Costa será oficialmente exonerado pelo Presidente da República.