Informação prejudicada pelo acesso a dados "não favorece a democracia" na Polónia
O dirigente do Clube de Imprensa da Polónia Jaroslaw Wlodarczyk alerta que o espaço de informação no país é prejudicado pela dificuldade de acesso a dados e mecanismos de propaganda, num quadro desigual que "não favorece a democracia".
A Polónia está a menos de uma semana das eleições legislativas, cujas sondagens mostram uma disputa muito apertada entre o partido conservador populista, PiS, no poder há oito anos, e a coligação de oposição Plataforma Cívica (PO, na sigla em polaco), liderada pelo ex-presidente do Conselho Europeu Donald Tusk.
As duas forças políticas estão separadas por um fosso ideológico e também por acusações cruzadas sobre o exercício do estado de direito, padrões democráticos e liberdade de imprensa - temas já levantados em reparos da União Europeia a Varsóvia -, num debate em que se acentuam mais as diferenças sistémicas do que a discussão de propostas concretas.
Em entrevista à agência Lusa, Jaroslaw Wlodarczyk aponta que uma das principais diferenças destas eleições, a decorrer no domingo, está relacionada com a realização simultânea de quatro referendos, o que se traduz num substancial aumento da despesa autorizada na campanha, ou, na prática, "o Governo não tem limites para a promoção".
Em segundo lugar, empresas estatais, bancos, companhias de seguros, lotarias, energia ou petróleo estão a fazer os seus anúncios de serviços públicos em campanhas de questões sociais que acabam por promover as decisões do Governo, o que se reflete numa "situação desigual para todas as partes".
No entanto "o grande problema", na perspetiva dos 'media', segundo Jaroslaw Wlodarczyk, vem de há vários anos, "desde os primórdios do PiS [no poder desde 2015]", e prende-se com o acesso à informação, sobretudo quando se trata de temas sensíveis, como o recente escândalo de uma rede de venda de vistos a cidadãos asiáticos e africanos, que abalou a diplomacia polaca e o partido no poder.
"O governo em geral não responde a perguntas sobre o caso e os assessores também não. Então temos aqui um problema enorme", critica o membro do Conselho do Clube de Imprensa e que foi nomeado em 2013 para secretário-geral da Associação Internacional de Clubes de Imprensa.
A Polónia está dotada de "uma lei muito boa sobre transparência no acesso à informação", segundo o jornalista polaco, "mas a execução não funciona".
Como exemplo, dá o caso de uma emissora de rádio pertencente a uma fundação ligada à Igreja e que terá recebido uma substancial quantidade de dinheiro do Governo. Uma organização não-governamental chamada Watchdog Polska, que trata assuntos relacionados com a transparência, pediu esclarecimentos, foi para os tribunais administrativos, que validaram o pedido por se tratar de dinheiros públicos, "mas passaram-se dois anos ou mais e nada".
Em suma, questiona Jaroslaw Wlodarczyk, "é isto: o que se pode esperar quando alguém não respeita as decisões de um tribunal?"
São este tipo de situações que o levam a ponderar que a liberdade de imprensa na Polónia, as questões associadas à pressão financeira e pressão regulatória, licenciamentos, e outros assuntos que interessam a uma imprensa livre, "é um trabalho contínuo" e que não se manifesta apenas em eleições: "Como diriam os franceses, a situação é dramática, mas não é grave", ironiza.
Outro episódio que ilustra as dificuldades da imprensa independente face à propaganda estatal aconteceu na semana passada, quando os polacos receberam nas suas caixas de correio um folheto de uma fundação próxima do Governo, que exibia a imagem de uma embarcação carregada de migrantes africanos no Mediterrâneo acompanhada pelo título "É uma invasão. Eles estão a vir para cá!"
Face à indignação de muitos cidadãos, que inundaram as redes sociais queixando-se de receberem este tipo de manipulação em casa, a companhia estatal de correios viu-se forçada a emitir um comunicado demarcando-se do caso.
A imigração é um dos assuntos mais quentes da campanha nestas eleições e vai merecer duas perguntas nos referendos, uma dedicada à construção de uma barreira na fronteira com a Bielorrússia e outra com a seguinte formulação: "Apoia a admissão de milhares de imigrantes ilegais do Médio Oriente e de África, de acordo com o mecanismo de relocalização forçada imposto pela burocracia europeia?"
"Cada um está a fazer o seu trabalho", comenta Jaroslaw Wlodarczyk, assinalando que os jornalistas polacos estão bem habituados a este tipo de campanhas, tal como a um histórico acumulado de manipulação e desinformação nas redes sociais
Ou ainda, conta, à forma como os órgãos ligados ao poder tratam certos eventos, como o megacomício do PO, há uma semana em Varsóvia, que reuniu um milhão de apoiantes segundo o partido de Donald Tusk, ou apenas 60 mil de acordo com o líder do PiS, o dirigente histórico Jaroslaw Kaczynski, ou ainda cem mil para os jornais televisivos pró-governo, que exibiram apenas planos fechados, não permitindo alcançar a amplitude da multidão, e relegaram a notícia para o meio dos seus alinhamentos.
"Por outro lado, sabemos agora como as notícias circulam e sabemos também que têm uma influência muito limitada nos resultados das eleições, porque, exceto os fundamentalistas do partido do governo, ninguém assiste a essas notícias", refere, sendo mais inquietante a forma como se ocupa espaço nas redes sociais com propaganda paga e a incapacidade do órgão regulador eleitoral em fiscalizar estes gastos.
Em todo o caso, ressalvando que tal como é impossível prever o futuro, também não se saberá "o que aconteceria se os jornalistas tivessem acesso à informação e como isso poderia afetar o comportamento social" e, do mesmo modo que "sem liberdade de imprensa e execução do direito dos cidadãos de serem informados, esta situação não está a favorecer a democracia".