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Um Mar para além daquele que enrola na areia e que bate nas rochas

O problema é que, em todo o diploma há um esvaziamento das competências das Regiões Autónomas em matéria de gestão do mar

Há dias na Assembleia da República (AR), foi apreciado e votado na generalidade a Lei do Mar, um diploma que, sob proposta do Governo da República, pretende ordenar e gerir “aquele mar” que pode vir a representar 2.400.000 km2 e que vai bem mais além daquele que se diz que enrola na areia, e no caso da Madeira, que bate nas rochas.

Se à partida é um tema que não preocupa de sobremaneira os Madeirenses e Portossantenses, na medida em que não acarreta problemas de maior no dia a dia, é um diploma de extrema relevância que tem vindo a ser acompanhado pelo Governo Regional da Madeira e pelos deputados do PSD na AR há uns anos a esta parte. E que promete luta, uma luta em nome da Autonomia, da defesa dos nossos direitos e de um património que é mundial, mas que também nos pertence e sobre o qual temos de ter uma política, uma estratégia e uma voz.

E porque digo isto?

Porque Portugal conta uma extensa linha de costa com 2.500 km, uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) com a área marítima 18 vezes maior que a superfície terrestre e que, no futuro, com a possibilidade de extensão da Plataforma Continental cuja decisão depende das Nações Unidas, a relação aumentará de 18 para 25 vezes mais.

Certo é que para “este Portugal” em muito contribuem as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores pois asseguram 83% da ZEE e dão corpo ao Triângulo Português definido pelos vértices Lisboa, Funchal e Ponta Delgada que tem um potencial estratégico ímpar.

No que à Madeira diz respeito, e fruto da política do Governo Regional, têm vindo a ser desenvolvidas políticas com sucesso por forma a garantir uma relação equilibrada entre a proteção e a sustentabilidade ambiental e o rendimento das populações.

E tanto assim é que há três factos marcantes que justificam a nossa posição no mundo marítimo: i) 89% do mar da Madeira tem estatuto de proteção, ii) em 2022 a Madeira criou a maior reserva marinha do Atlântico Norte em redor das ilhas Selvagens, uma zona protegida de Portugal desde 1971 e iii) o Registo Internacional de Navios da Madeira é um dos três mais importantes registos de navios na Europa, quer em termos de número de navios como de tonelagem, e tem fortes ambições à liderança.

Voltando à Lei do Mar, e de um modo simples, devo referir que, o diploma encontra-se condicionado por um parecer do Tribunal Constitucional de 2022 no qual se considera inconstitucional o anteriormente previsto e que advoga a gestão partilhada do espaço marítimo entre a República e as Regiões Autónomas.

A proposta de lei contempla a estruturação do ordenamento do espaço marítimo e a regulação das atividades através da regulamentação sobre as Áreas Marinhas Protegidas (AMP) para fazer face aos compromissos internacionais de Portugal, nomeadamente no que concerne aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU bem como a criação de um novo enquadramento para os planos de gestão e de afetação.

O problema é que, em todo o diploma há um esvaziamento das competências das Regiões Autónomas em matéria de gestão do mar. Estas passam a uma figura de emitentes de pareceres e de propostas sendo reservado, e em absoluto para as entidades nacionais, a competência de decisão final, o que obviamente o PSD não aceita. Por isso votou contra a proposta do Governo da República/PS e manifestou-se de forma clara no plenário da AR.

E não vale a pena o PS abanar o cartão vermelho da Constituição pois, também neste campo, o PSD está a trabalhar por forma a que a Lei Fundamental não inviabilize os propósitos das Regiões Autónomas. A saber, o PSD apresentou uma proposta de revisão constitucional para clarificar as competências das regiões na gestão das suas zonas marítimas. Este processo ainda decorre na Comissão Eventual Revisão Constitucional da AR e o sucesso da iniciativa do PSD, ie, a valorização das Autonomias na gestão do Mar a par do reconhecimento da soberania do Estado, só dependerá do Partido Socialista que até à data surge isolado com o PCP numa posição contra.

Uma posição incompreensível para quem na Madeira e no Porto Santo diz defender a Região em todas as instâncias e até proclama “Madeira sempre” mas que não deu a cara nem a voz na defesa das causas autonómicas deste diploma em plenário. Valeu-lhes a abstenção na votação e a fotografia num artigo regional para disfarçar que se passou.