Desde Fevereiro de 2019 que entrou em vigor uma lei que proíbe a utilização de animais selvagens em espectáculos de circo, em Portugal. O diploma aprovado na Assembleia da República, em Outubro de 2018, veio impor novas regras nesta actividade, reforçando a protecção dos animais, ditando orientações próprias quanto à sua detenção.
Os circos têm até 2025 para se adaptar a esta nova realidade, podendo e são cada vez menos aqueles que ainda resistem. Os animais que já possuiam em Agosto de 2019 podem ser utilizados por mais dois anos, desde que sejam titulares de uma licença transitória para os respectivos espécimes, emitida pelo Instituto das Conservação da Natureza e Florestas, em conformidade com a lei em vigor.
Actualmente, em Portugal, apenas o Circo Victor Hugo Cardinali continua a incluir animais nos seus números, nomeadamente cavalos e camelos.
De acordo com a Direcção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV), neste momento, "estão registados actualmente oito animais selvagens [no Cadastro Nacional de Animais Utilizados em Circos]. Nenhum desses animais pertence a um circo registado na Região Autónoma da Madeira".
Mas esta proibição tem um histórico. Já 2009, uma lei impedia os circos nacionais de adquirirem novos animais ou sua reprodução dos que já possuíam. Para Renato Alves, que há dois anos trouxe, pela última vez, números de circo com animais à Madeira, em Machico, foi nessa altura que se “ditou o fim do circo tradicional em Portugal”.
O responsável refere, ao DIÁRIO, que o Circo Dallas deixou de usar animais este ano, devido “às burocracias e à estupidez de fazerem uma lei que não tem paralelo no resto da Europa”. Ressalvando que só em 2025 a lei que está em vigor determina essa proibição, Renato Alves nota que, perante os vários obsctáculos com que se tem deparado, não teve outro remédio que não “antecipar esse desfecho”, desde logo porque são cada vez mais os municípios que não autorizam circos com animais.
Aos poucos, leões, macacos, elefantes, ursos, hipopótamos, tigres, zebras, crocodilos, camelos, serpentes ou até todo o tipo de aves, só para dar alguns exemplos, têm deixado de poder fazer parte dos números circenses, para desagrado de muitos aficcionados neste tipo de arte e contentamento dos defensores dos direitos dos animais.
Com isto, os circos foram obrigados a se adaptar à nova realidade, havendo, hoje, muitas companhias que oferecem um conjunto diversificados de números sem animais. É o caso do Circo Mundial, para quem esta mudança “foi uma adaptação simples”, adequando-se “às novas tendências”.
Rui Carvalho reconhece que os animais “sempre fizeram parte da família do circo”, funcionando como “um complemento” dos números com palhaços ou trapezistas, evitando, assim, “remar contra a maré”.
Mas a decisão não foi fácil, uma vez que reconhece que o circo era o único contacto que muitas localidades tinham com alguns dos animais que incluíam nos seus números, nomeadamente leões, tigres, hipopótamos, entre outros. As duas horas de espectáculo passaram a ser preenchidas apenas com equilibristas, malabaristas, contorcionistas, palhaços e outros artistas do género. Com isto, a clientela tem vindo a diminuir.
Pelo meio, Rui Carvalho recusa o estigma de que os animais são maltratados nos circos. Não falando pelas outras companhias, o responsável pelo Circo Mundial garante que, no seu caso, “eram asseguradas as melhores condições aos animais que estavam integrados nos vários números”. Sobre isso, não deixa de questionar se “ter uma animal, um cão ou um gato, fechado o dia todo numa varanda, com pouco mais de dois metros, não é maus-tratos? O animal come na varanda, faz as suas necessidades na varanda, dorme na varanda, faz tudo na varanda. Isso não é mau?”. Por isso, reitera a recusa de que os animais que faziam parte do Circo Mundial fossem mal tratados.
E nesse sentido, contrapõe com a forma como as pessoas se tratam umas às outras. “Nós hoje em dia, na nossa sociedade, vemos que se continuam a tratar mal muitas pessoas. Mesmo na cidade do Funchal, em Lisboa, em todo o lado, continuam a existir pessoas a dormir na rua”, atira, lamentando que mais facilmente se mate a fome a um cão ou a um gato que ande pela rua do que a uma pessoa.
A diminuição de receitas pela não utilização de animais nos números de circo tem sido, também, apontada por Renato Alves. “A gente adapta-se a tudo, mas a verdade é que as receitas são inferiores, porque as pessoas gostam de ver leões, elefantes ou qualquer espectáculo com animais”, aponta, recordando todas as espécies que já trouxe à Madeira, entre um tigre branco, avestruzes, dromedários, hipopótamos, piranhas ou os mais comuns leões e cavalos.
“A lei ainda não proíbe animais nos circos. Só em 2025 é que tal se aplica aos animais selvagens. Todos os restantes animais podem todos continuar a trabalhar em circos. Acontece que muitas câmaras municipais simplesmente não autorizam os circos a montar quando têm animais”, sustenta, apontando que tal levou o Circo Dallas a acelerar o processo, referindo que em causa estão decisões políticas, alegando que os autarcas “têm medo de perder fotos por autorizarem o circo com animais”.
Falando da Região, onde não virá este ano, Renato Alves destaca a forma como sempre foi bem recebido em Machico e louca, inclusive, a interpretação que a autarquia fez da lei, não proibindo, por enquanto, o uso de animais neste tipo de espectáculos.
Na Madeira, esta matéria, à semelhança do resto do País e da Europa, está longe de reunir consensos. E isso espalha-se nas políticas adoptadas em relação ao assunto nos diferentes concelhos, dentro do quadro legal em vigor.
O Funchal foi, na verdade, o primeiro município do País a ‘banir’ os animais dos espectáculos de circo, isto no ano de 2014.
Na altura, ainda antes da aprovação da lei nacional aplicada aos animais selvagens, num executivo liderado por Paulo Cafôfo, resultante de uma coligação onde estava presente o partido Pessoas – Animais – Natureza (PAN), a Assembleia Municipal fazia aprovar um regulamento que impedia o uso de qualquer tipo de animal nos espectáculos de circo ou de rua realizados no concelho.
Desde então, a regra não tem sofrido quaisquer alterações, pese embora as reivindicações dos responsáveis de alguns circos que tinham a tradição de vir à Madeira por altura do Natal, escolhendo a capital para armar a tenda e fascinar pequenos e graúdos com os vários números circenses que tornam esta quadra ainda mais especial.
Em alternativa ao Funchal, as companhias que tinham números com animais passaram a procurar outras paragens. Machico acolheu, por exemplo, até há dois anoso Circo Dallas, já que a autarquia liderada por Ricardo Franco não impõe quaisquer restrições, além da que decorre da lei nacional em vigor. Este ano, não haverá circo por aqueles bandas, já que, pelo menos para já, “nenhuma companhia manifestou interesse nesse sentido”, deu conta, ao DIÁRIO, o autarca.
Andreia Dias Ferro , 30 Outubro 2023 - 10:49
Em breve, o Bloco de Esquerda, através do seu deputado único eleito à Assembleia Legislativa da Madeira, Roberto Almada, conta apresentar no parlamento regional uma proposta com vista à proibição da utilização de animais em circos em todo o território da Região.
Recordando o pioneirismo do Funchal neste âmbito, os bloquistas, em comunicado remetido esta manhã, apontam que esta medida "justifica-se plenamente na defesa dos direitos destes seres vivos, tantas vezes sujeitos a condições de acondicionamento e transporte amplamente precárias, em virtude das características itinerantes da própria actividade circense".