Xadrez e Pobreza
1. Disco: Os Bombay Bicycle Club são uma das minhas bandas favoritas. Vou ouvir muito “My Big Day”, um disco que não fica só por aquilo a que nos habituaram, pois experimenta muito. De relevo são também as colaborações com Jay Som, Nilufer Yanya, Damon Albarn, Chaka Khan e Holly Humberstone. Um disco de um ecletismo a toda a prova, que mostra a enorme mestria do projecto.
2. Livro: um bem pequenino, que tenho imensa pena de não ter lido aqui há uns meses. “Breviário de Campanha Eleitoral”, de Quinto Túlio Cícero, com prefácio e notas do nosso José Viale Moutinho. As notas do irmão de Cícero que ajudaram a que este enorme tribuno fosse eleito em 64 a.C., há mais de dois mil anos, continuam de uma actualidade fantástica. Um livro recomendado para quem gosta de coisas da política.
3. Todos os quatro anos é o mesmo: reposicionam-se as peças no tabuleiro das nomeações.
O Grande Jogador instala-se sobre o tabuleiro, coça o queixo, e experimenta combinações que lhe permitam jogar, sem regras, um jogo que lhe proteja o flanco e deixe a maioria satisfeita.
Coloca-se bem no centro. Porque possuidor do pecado da preguiça, rodeia-se de peças que o protejam. Umas torres, sempre seguras e pouco dadas a cerimónias, são reactivas e atacam tudo o que se aproximar. Cavalos elegantes, saltitam pelo tabuleiro e caem em cima de quem se atrever a duvidar do valor da autoridade majestática. E o que dizer dos bispos que fanaticamente e de modo enviesado, vão diagonalmente desferindo golpes, quais zelotas fanáticos de uma qualquer seita. Ou da rainha que distribui pancada em todas as direções. Restam os peões, que passo a passo e de palas a restringir a visão, andam em frente rumo ao fim do tabuleiro onde sabem que, se lá chegarem com vida, podem ambicionar ser outra coisa qualquer.
As coisas começaram estranhas este ano. Em boa verdade nos outros também. Um gambito mandou com dois secretários para a prateleira. Isto depois de uma abertura animalesca de pouca valia, já conhecida por Abertura do Elefante na Sala.
Quando todos esperavam um Ataque Fígado Frito, lá veio uma Defesa Ortodoxa, caída em desuso, que deixou tudo na mesma. Como sempre.
Se todo correr bem, cheira-me que, lá pelo meio do jogo, vamos ter um Roque, seja ele maior ou menor.
E depois o final do jogo. Um Phillidor, que foi quem disse que apesar de tudo “os peões são a alma do xadrez”. Quem ganha, a cada quatro anos, são sempre os mesmos. Mas quem se lixa é sempre o tabuleiro.
Dá sempre jeito mudar qualquer coisa de vez em quando, para que tudo fique na mesma.
4. Só não vê o que vai acima quem não quer. Atente-se ao papelão a que se prestou um ex-Secretário Regional ao passar para mero assessor, após dizer que não continuava as suas funções por motivos pessoais.
E o que dizer do ex-deputado que se presta agora a ser motorista de um vice-presidente da Assembleia?
Não há diferença nenhuma entre estes dois casos. São idênticos e demonstram quão iguais são os partidos da equação, por mais que se arroguem a gritar a diferença.
5. Não sou muito de dar seguimento ao que escrevo nestas páginas. Mas de vez em quando faço-o. Gosto de ler o que os outros pensam sobre o que escrevo. Mesmo que não percebam do que se fala. Demonstra que me faltou clareza no escrito ou que então estou na presença daqueles patuscos de cabeça formatada e com tudo arrumado fora do lugar que, quando veem alguma coisa que lhes abana as prateleiras, tratam logo de gritar: “alto e pára o baile! Mé’qui’é? Nã, nã, nã, nã, nã… que se me caem as certezas”.
Falei aqui na passada semana em ISK, contas de investimento suecas. Explico melhor.
Uma Conta Poupança de Investimento (Investeringssparkonto, ISK) é um produto de poupança disponibilizado aos investidores desde Janeiro de 2012. O objetivo destas contas é facilitar a negociação de instrumentos financeiros. Ao contrário de uma conta de títulos comum, não são pagos impostos sobre ganhos de capital nas transações efectuadas. O imposto sobre ganhos de capital foi substituído por um imposto anual fixo e, como acontece com uma doação, o investidor não precisa dar conta das compras ou vendas na sua declaração de IRS. Logo, o que lucrar com este tipo de contas não paga imposto sobre rendimentos. Mais, e por incrível que pareça, as perdas de capital com estas contas podem ser declaradas e descontadas nos rendimentos.
É verdade que o sistema fiscal sueco é complexo, daí ainda fazer mais sentido entre tipo de investimento, que atrai não só capital nacional, como estrangeiro.
Sei o quanto é maçador destruir a ilusão estatista e socializante de alguns, sempre prontos a arrotar postas de pescada sobre o que não sabem, mas a realidade é a realidade. E não há volta a dar.
6. Tive a honra e o prazer de participar na passada 6.ª feira no III Fórum Regional de Combate à Pobreza e Exclusão Social, a convite da EAPN — Madeira.
Falamos pouco deste drama social. Habituámo-nos a olhar sem ver, a esconder uma realidade que toca muitos dos nossos. Deixamos que este verdadeiro circulo de pobreza persista, quando estamos quase a atingir os 50 anos de Autonomia. Não podemos esconder mais. Temos de agir e não podemos falhar.
Pobreza é pobreza. Os indicadores dessa triste realidade não podem estar dependentes da vontade de quem exerce cargos de gestão política e do modo como o seu tratamento “dá jeito”, por motivos meramente estatísticos e propagandísticos.
É pobre porque falta dinheiro; falta dinheiro porque há baixa capacidade de poupança e consequente acumulação de riqueza; há baixa capacidade de poupança porque os rendimentos são baixos; há rendimentos baixos porque a produtividade é baixa; há baixa produtividade porque há falta de dinheiro; e voltamos ao princípio… O governo entende que o problema está então nos efeitos da pobreza e não trata das causas. E lá aparece o subsídio. Contudo, este é insuficiente para resolver o problema porque está sustentado em impostos, que não estão apoiados em produção, sendo, assim, o próprio estado arrastado para o círculo da pobreza onde prevalece a Central de Apoios do Estado: o Governo com os subsídios, as Câmaras com os apoios, as Juntas de Freguesia com os materiais para compor o que se estraga, as Casas do Povo e as IPSS com os cabazes. Uma verdadeira pirâmide de dependências que reduzem a liberdade de cada um.
Quase um terço dos madeirenses em risco de pobreza, cerca de 11% em privação material severa (à volta de 27 mil).
A pobreza arrasta consigo toda uma série de problemas. Entre nós, não chega ter um emprego. Milhares de madeirenses têm-no, no entanto, porque ganham salário mínimo, são pobres. Porque recebem pensões e reformas de miséria, são pobres. O que ganham não chega ao fim do mês: renda de casa, água, luz, gás, alimentação, vestuário, saúde, educação, tudo leva uma fatia dos rendimentos do trabalho. Como o dinheiro não chega, é viver com uma bola na garganta, com uma angústia que induz à frustração, à falta de saúde mental, ao alcoolismo, à droga, à violência doméstica, à criminalidade. Não podemos olhar para os problemas que nos afectam separadamente. Temos de os analisar e de criar soluções que resolvam o todo e não as partes.
O combate à pobreza é um combate às suas causas. A falta de emprego, a incapacidade de fazermos com que a educação funcione como meio de alavancagem social, a abordagem governamental que vê a solução na subsidiarização da pobreza, a crise económica que vivemos e, primeiro que tudo, a inexistente estratégia de qualificação dos recursos humanos, estão entre as causas.
Criar emprego, adequar a carga de impostos, equidade, educação, mercado livre, criação de condições que promovam o crescimento económico e a riqueza das famílias, inovação tecnológica, são o caminho a seguir. Não há outro.
Não será por decreto que se adequarão os mecanismos da economia ao combate à pobreza e à exclusão social. Os passos têm de ser certos e seguros.
Cinquenta anos de Autonomia e o que temos é isto? É urgente que nos preocupemos a sério com esta chaga social, que deixemos de racionalizar a pobreza, que lhe ataquemos as causas, que acertemos o passo para acabar com esta Autonomia de dependentes.
Continuar a falhar não pode ser opção.
7. “A liberdade é o bem maior: não deriva de nada: não é equivalente a nada. A liberdade é o fundamento infundado do ser: é mais profunda que todo o ser. Não podemos aceitar uma base de liberdade percebida racionalmente. A liberdade é um poço de profundidade incomensurável — o seu fundo é o mistério final” — Nicolas Berdiaev.