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Crónicas

As nossas guerras

Como será adormecer com o barulho de rockets, de explosões ou de mísseis?

Não imagino como seja viver num país que esteja envolvido num conflito. Acho que ninguém imagina. Seja na Ucrânia, em Israel, na Faixa de Gaza ou em tantas outras zonas do Mundo em que a instabilidade é uma constante, é impossível que alguém se consiga concentrar em ser feliz quando não existem condições de segurança para andar tranquilo na rua. O medo é uma sensação que nos consome e que ocupa uma parte essencial da nossa mente, liberta-nos muito pouco espaço para pensarmos em qualquer outra coisa. Nós vemos isso no nosso dia a dia, nas mais pequenas coisas. Quando não temos estabilidade, quando sentimos receio ou estamos sempre a olhar para o “retrovisor”, não temos capacidade para olhar em frente, sobretudo a nível emocional. É por isso que com tantos problemas que nos assolam e dos quais nos queixamos permanentemente, Portugal continua a ser um sítio maravilhoso para viver. É também por isso que somos mais valorizados por quem vem de fora do que por nós próprios, especialmente quando nunca experimentámos outras realidades.

Como será adormecer com o barulho de rockets, de explosões ou de mísseis? Acordar com sinais de destruição à nossa volta, perder a casa e tudo o que construímos mas acima de tudo pessoas que amamos? É uma sensação inimaginável. Por isso não consigo julgar quem vive consumido por esse ódio, de quem perde tudo ou quase tudo, de quem vê tudo à sua volta desabar como um castelo de cartas. Como é possível desculpar alguém que nos ataca, que nos rouba tudo o que somos e que nos deixa um vazio impossível de reparar? Sejam elas as razões que forem. Acaba por se tornar tudo num ciclo, em que uns fazem e outros respondem sem se vislumbrar um fim. Mas tem que existir um fim para isto, ou pelo menos deveria haver, porque não é sustentável com a evolução da humanidade continuarmos a sujeitar populações a tanto sofrimento, a uma dor que não se esgota, antes pelo contrário, transforma-se em raiva que se reflete em todas as ações seguintes e preenche a motivação pelos motivos errados e que vai naturalmente à procura de soluções que só tendem a escalar situações já de si insustentáveis.

É por isso que devemos pensar muito bem no que queremos para a nossa vida, para os que nos rodeiam, como construir o nosso pensamento, as nossas prioridades e a forma de nos relacionarmos com os outros. Sinto que as pessoas andam muito nervosas, mostram cada vez com mais facilidade um lado que não deveria aparecer e alteram-se com facilidade. Basta andar no transito ou passear na rua para vermos o estado, a maneira como nos alteramos por tudo e por nada e como passamos rapidamente para um ponto de agressividade muitas vezes sem grande motivo para isso. Essas pequenas discussões, tantas vezes sem motivo aparente, levam-nos para um caminho que pouco nos acrescenta e nos faz perder o nosso precioso tempo em guerras que nos inibem de procurar construir momentos bons, em que nos possamos sentir em paz connosco próprios e possamos proporcionar aos outros uma situação saudável, em harmonia. Basta ligar a televisão para percebermos que andamos a desgastar a nossa essência e as nossas energias com futilidades, seja por orgulho ou porque o a nossa sociedade nos incute uma ansiedade e nervosismo que não nos permite ser de outra forma.

As nossas guerras ao pé de outras não têm valor nenhum. Nem importância alguma. Se não nos permitirmos um certo tipo de leveza vamos estar inconscientemente a contribuir para um mundo pior para as novas gerações, onde os maus sentimentos são a palavra de ordem. Talvez seja altura para pararmos um pouco e tentarmos perceber qual é o nosso lugar e o que queremos para nós.