Será que Jardim sempre viu com bons olhos a utilização de meios aéreos no combate a fogos na Madeira?
Ex-presidente do Governo Regional privou a Madeira de meios aéreos de combate a incêndios com base num “parecer genérico”
Alberto João Jardim foi ontem à RTP-Madeira, ao seu habitual espaço de comentário, e disse impor-se um reconhecimento a todos quantos estiveram envolvidos no combate aos fogos rurais e florestais da última semana. O destaque foi para os bombeiros. Mas, como fez questão de esclarecer, “não só os bombeiros, como todos aqueles que colaboraram, o pessoal do helicóptero, o pessoal da Protecção Civil, houve aqui um conjunto de vontades. É preciso saber ser reconhecido a esta gente.” Ainda que breve, Jardim fez referência ao papel do helicóptero no combate aos incêndios. Terá o anterior presidente do Governo sempre defendido tal importância?
Para esclarecermos cabalmente esta questão, é necessário recuarmos a 1988. Através da Resolução n.º 1262/98, o Governo de Jardim veio dizer que um meio aéreo era “o ideal” para, entre outras tarefas, combater fogos florestais. “Surgiu a necessidade de dispor de um meio aéreo, como meio ideal para a realização de determinadas tarefas, designadamente, vigilância das serras, incluindo a prevenção, detecção e combate de incêndios, vigilância da costa marítima da Madeira e Porto Santo, apoio à Protecção Civil, serviços do Parque Natural da Madeira incluindo Ilhas Desertas, entre outras”.
O Governo decidia contratar os serviços do helicóptero existente na Madeira, propriedade da HeliAtaltis-Turismo em helicópteros, Lda. Por 24,3 mil contos anuais, correspondentes a praticamente 122 mil euros. Pois, lembrava o governo na resolução assinada por Alberto João Jardim: “O helicóptero da supracitada empresa comprovou já a sua aptidão para a realização deste tipo de tarefas, através do seu importante e imprescindível contributo no caso recente do acidente ocorrido no Pico do Areeiro em que este meio aéreo foi usado nas buscas efectuadas”, no desaparecimento de candidatos a guardas florestais.
O contrato durou dez anos, mas o helicóptero da HeliAtlantis nunca foi equipado para combater fogos e custou, com IVA, cerca de 1,5 milhões de euros.
Jardim muda de opinião
Em 2010, a posição de Jardim e do seu Governo Regional mudou totalmente. De meio ideal, o helicóptero e os meios aéreos em geral, passaram a inadequados.
Para fundamentar a nova posição, Alberto João Jardim encomendou um estudo a Luciano Fernandes Lourenço da Universidade de Coimbra.
O autor explicava, logo no preâmbulo, que o parecer era uma “opinião” e não baseada no uso de qualquer aparelho específico. “O presente parecer foi elaborado a requerimento do Senhor Presidente do Serviço Regional de Proteção Civil, IP-RAM, tendo por objectivo dotar este Serviço Regional com uma opinião externa, sobre o uso genérico de meios aéreos no combate a incêndios florestais no território da Região Autónoma da Madeira, sem ter em conta nenhum aparelho em particular.”
Era explicado que a opinião se baseava em dados históricos, em dados do incêndio de 2010 e em “entrevistas informais a especialistas de combate a incêndios florestais” e que “para que pudesse ser mais objectivo implicaria “um estudo mais detalhado, efectuado no local, sobre as condições concretas que permitiram o desenvolvimento do grande incêndio da madrugada de 13 de Agosto de 2010, e, por outro lado, a análise concreta do, ou, de cada um, dos meio(s) aéreo(s) a usar, uma vez que, em função das respectivas características técnicas e especificidades, este parecer poderia ser mais detalhado nalguns dos seus aspectos”.
Mas apenas foi solicitado “um parecer genérico” e numa “abordagem essencialmente teórica”.
Esse estudo concluiu, de facto, que a Madeira não tinha boas condições para a operação de meios aéreos de combate a incêndios florestais/rurais e, em alternativa, propôs a “implementação de um serviço de defesa da floresta contra incêndios, preferencialmente de base municipal”, “Reforço do (então) actual dispositivo de combate a incêndios florestais” e “Criar um dispositivo especial de combate a incêndios florestais em cada município, sediado no Corpo de Bombeiros ou Secção destacada”.
Decisão do Governo foi controversa
A decisão do Governo de Alberto João Jardim de não usar meios aéreos na Madeira foi sempre muito contestada, tanto pelos partidos da oposição, como pelos próprios bombeiros.
Em 2012, vários especialistas ouvidos pelo DIÁRIO foram peremptórios em afirmar que a Madeira tinha condições para ter meios aéreos no combate aos fogos florestais.
Uma das pessoas que se pronunciaram foi o presidente da Associação Nacional e Bombeiros, Fernando Curto. Por várias vezes manifestou-se a favor dos meios aéreos o que provocou a ira de Alberto João Jardim que, nas interpretações da época, veiculadas na comunicação social e na visão de Fernando Curto, insinuou que teria andado pessoal na Madeira a provocar incêndios. “A única diferença é que agora eu não estive na Madeira e o dr. Alberto João não pode dizer que é o pessoal que anda aí a pôr os fogos”.
Foram tempos conturbados da relação de Jardim com os Bombeiros. Chegou a afirmar que havia bombeiros a mais, referindo-se em particular a corporação da Ribeira Brava (24 de Julho de 2012). Isso fez com que os bombeiros de lá tivessem ido a um evento só depois de Jardim se ausentar.
Albuquerque decidiu tirar a limpo
Enquanto se manteve no poder, Jardim nunca mandou estudar a fundo a utilização de meios aéreos, nem pediu testes com vários meios, como sugeriu o professor de Coimbra.
Esse papel coube ao seu rival Miguel Albuquerque, quando ganhou o PSD e, depois, o Governo Regional.
Em Dezembro de 2015, Albuquerque admitiu promover um estudo para ‘tirar a limpo’ se a Madeira tinha ou não condições para ter um meio aéreo a combater incêndios, foi, como que por ironia do destino e a marcar a diferença para o seu antecessor, à revista ‘Alto Risco’ da Associação Nacional de Bombeiros.
Em 10 de Agosto de 2016, o Governo Regional em resolução, decidiu “solicitar um parecer, no prazo de 120 dias, acerca das vantagens e dos inconvenientes do uso de meios aéreos em áreas florestais e urbanas na Região, sendo que a entidade a designar para o efeito deverá ser indicada em concertação com o Governo da República”. Acabou por ficar a cargo da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC).
Os testes foram realizado no dia 2 de Maio de 2017, em vários locais da ilha, por um helicóptero ligeiro e por um avião médio.
Um mês e meio depois, a 20 de Junho de 2017, foi finalizado o estudo e entregue o relatório, que concluiu ser possível o combate a incêndios florestais com meios aéreos na Madeira.
No último dia de Agosto, também de 2017, o Governo Regional, em nova Resolução, determinou a utilização de meios aéreos, “para ataque inicial” dos incêndios florestais, com recurso a um helicóptero ligeiro.
Nesse primeiro momento, foi definido que o helicóptero seria contratado para o período de 15 de Junho a 15 de Outubro, pelo valor estimado de 1,2 milhões de euros.
Como previsto, o primeiro helicóptero chegou à Madeira em Junho de 2018 e iniciou a operação no dia 15, tendo ficado sediado nas Instalações da Protecção Civil Regional, próximo da Cancela, no Funchal. Nesse início de actividade, Miguel Albuquerque deslocou-se à Protecção Civil para assinalar o momento.
De então para cá, o projecto foi crescendo, o tempo de permanência na Região alargado a todo o ano e o fim passou de ataque inicial a combate.
Neste momento, a Região dispõe de um helicóptero médio e Albuquerque já falou mesmo na possibilidade de vir a ter um helicóptero pesado.
Um dia depois de o DIÁRIO ter feito um fact check sobre a possibilidade ou não dos helicópteros poderem combater fogos durante a noite, Miguel Albuquerque disse que isso era algo a ponderar. O problema poderá ser o custo acrescido.
Será verdade que os helicópteros não podem combater incêndios durante a noite?
Os meios aéreos assumem um papel muito relevante no combate aos incêndios florestais e rurais. No entanto, durante a noite não os vemos a operar. A situação gera incompreensão, em especial, por parte das populações mais afectadas pelos incêndios. Mas será que os helicópteros não podem operar durante a noite?
Albuquerque estuda outro meio aéreo para actuar durante a noite
O presidente do Governo Regional estuda já a contratação de um outro meio aéreo pesado que possa operar durante o período nocturno.