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O desvalor da vida humana

Os atuais desenvolvimentos do conflito israelo-palestiniano vêm mostrar o que de pior a humanidade tem

Na última semana, o mundo voltou a ser confrontado com um dos maiores e mais relevantes conflitos da modernidade: o de Israel e da Palestina (que neste caso aparece por associação ao Hamas). Com milhares de mortos inocentes de um lado e de outro, voltamos à monstruosa opinião do costume tida pela maioria dos espetadores: “espero é que o inimigo sofra” mesmo que esse “inimigo” acabe por englobar a criança judia israelita assassinada na ofensiva terrorista do Hamas ou a idosa árabe palestiniana morta no contra-ataque indiscriminado de Israel.

É por isso claro que tanto o grupo de apoio de Israel como o do Hamas – que estupidamente crê representar a vontade palestiniana – esquecem-se das duas verdades coexistentes sobre o que está a ocorrer. Elas são: o Hamas é um grupo terrorista de ideais extremistas que, como tal, deve ser condenado sem quaisquer nuances pelas atrocidades que cometeu tanto no presente como no passado; e a orientação do governo de Israel, agora liderado por Benjamin Netanyahu, é de superioridade contra o não judeu (uma consequência inevitável do ideal sionista de 1897), algo que está difundido por boa parte da sociedade israelita e que atingiu o seu pico de repúdio no uso de fósforo branco sobre civis, um crime de guerra.

Assim, numa guerra que opõe um grupo terrorista islâmico responsável por inúmeras atrocidades a um governo judaico e também, parcialmente, uma sociedade judia com um vasto historial de opressão contra muçulmanos e ultimamente também cristãos – como o denuncia o aumento da criminalidade e do desrespeito religioso contra estes dois grupos (relembre-se a situação de israelitas da facção religiosa Haredi a cuspir contra peregrinos cristãos ocorrida ainda este mês e os inúmeros vídeos de ataques a muçulmanos em Israel que estão mais que acessíveis online) – é possível acreditar que um destes dois lados possa estar sequer minimamente correto? Parece óbvio que não.

Contudo, apesar de não existir qualquer tipo de subjetividade no mal causado pelos dois grupos, ainda assim existem aqueles que não têm a capacidade de determinar se o homicídio de um inocente é injusto. São aqueles que nas redes sociais começam a salivar nas secções de comentários quando ouvem que a Palestina finalmente está a retaliar, por via do Hamas, a injustiça que lhe foi infligida em 1948 ou quando os informam que Israel promete aniquilar a Faixa de Gaza no contra-ataque. Aqueles que, tal como os próprios combatentes que matam os seus próprios congéneres, adotam a máxima da Cruzada Albigense do século XIII: “Caedite eos. Novit enim Dominus qui sunt eius” (“Matem-nos. Deus saberá quais são os seus”). São aqueles que apenas se interessam com o sangue jorrado.

Os atuais desenvolvimentos do conflito israelo-palestiniano vêm mostrar o que de pior a humanidade tem, tanto lá como cá, e essa é a capacidade de relativizar o valor da vida humana perante a ideologia autoritária. Vemos essa relativização em relação a Israel que subjuga alegando auto-defesa quando na realidade já bombardeava muito antes dos eventos recentes e vemo-la também por parte do Hamas que aterroriza alegando servir a vontade palestiniana e a islâmica. De igual forma, vemos os espetadores internacionais que defendem um e outro grupo tentando com o seu discurso legitimar as atrocidades cometidas por cada um dos lados. Restam apenas aqueles judeus e/ou israelitas e árabes e/ou muçulmanos que há muitos anos lutam pela reconciliação de ambos os povos. São, contudo, os mais desprezados em toda a discussão, porque, afinal de contas, são os únicos que, mesmo com a história injusta e a diferença religiosa, continuam a valorizar a vida humana.