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Fact Check Madeira

"Os maiores escândalos financeiros dos últimos tempos estão todos associados a bitcoin e demais criptomoedas"?

O regresso de Amesterdão do presidente do Governo Regional à Madeira, apanhado fora da Região enquanto participava na promoção da criação de um Centro de Negócios Bitcoin no arquipélago, gerou críticas mais ou menos públicas.

Fotomontagem
Fotomontagem

Estará a Madeira a apostar no 'cavalo errado'? Será mesmo que as criptomoedas não são de confiar e têm sido, como referiu o deputado do Bloco de Esquerda, alvo de investigações por fraude? De acordo com os bloquistas o anúncio da criação na Região de um Centro de Negócios Bitcoin, feita esta semana pelo presidente do Governo Regional em Amesterdão foi "errado e não apenas pelo dia em que é feito". E sustentou: "É errado, porque os maiores escândalos financeiros dos últimos tempos estão todos associados a bitcoin e demais criptomoedas. O governo de Miguel Albuquerque, ao invés de investir num modelo de economia produtiva para a Região, aposta mais uma vez em esquemas e negociatas."

E disseram mais: "Os negócios de ativos cripto estão a ser investigados internacionalmente por fraude e auxílio ao crime económico e têm deixado um rasto de lesados em todo o mundo. Não por acaso, o Banco de Portugal não autorizou a instalação de qualquer plataforma cripto no país."

Ora, o presidente do Governo Regional da Madeira anunciou na passada sesta sexta-feira, 13, "a criação de um Centro de Negócios Bitcoin na Região pela Associação F.R.E.E. Madeira. O objectivo da organização sem fins lucrativos é de 'ajudar os locais com a transição para o novo paradigma monetário', a adopção da Bitcoin", escrevemos. "Estamos a mudar a nossa economia", garantiu Miguel Albuquerque na capital dos Países Baixos, sustentado uma ideia que tem amadurecido ao longo do tempo. "Durante muitos anos a base da economia da Madeira foi o Turismo", por isso o seu Governo quer apostar em "empresas tecnológicas, alta tecnologia e inteligência artificial", reforçando que "tudo o que está conectado com a Bitcoin é bem-vindo na Madeira".

Albuquerque anunciou em Amesterdão um Centro de Negócios Bitcoin na Madeira

Presidente do Governo Regional participou hoje na 'Bitcoin Amsterdam'

O problema é que a Madeira poderá ser um 'oásis' no país, aliás como tem sido o tão contestado Centro Internacional de Negócios da Madeira, que tem sido alvo de constantes polémicas e críticas por, alegadamente, dar cobertura a negócios de evasão fiscal, entre muitos negócios seguramente sérios e mais-valias, na criação de emprego e receitas para a Região e o Estado, sendo que este tem vindo a ser precisamente um dos polos de diversificação da economia madeirense, a par do referido Turismo. O mar, melhor a 'economia azul' é outra das vertentes, mas cuja exploração e potenciação será de longo prazo.

O que é?

Por isso, as criptomoedas, da qual a Bitcoin é a mais reconhecida, por ter sido a primeira criptomoeda do mundo, criada em 2008, resumindo-se por ser uma tecnologia disponível num livro branco, um conceito de dinheiro digital que permite transações 'peer-to-peer' (par a par ou ponto a ponto) seguras na Internet. De acordo com a 'coinbase.com', "a principal inovação do Bitcoin foi o blockchain — um software que funciona como um livro-razão, registando todas as transações alguma vez feitas com Bitcoin. Ao contrário do livro-razão de um banco, o blockchain Bitcoin é distribuído e verificado por toda uma rede de computadores. Não é controlado por qualquer empresa, país ou terceiros. E qualquer pessoa pode participar na rede".

E explica mais: "O Bitcoin é baseado em encriptação, o que o torna extremamente seguro e universalmente acessível. Criar uma 'conta bancária' na rede global Bitcoin gera uma palavra-passe extremamente longa, também conhecida como 'chave privada', que é impossível de adivinhar para qualquer outra pessoa. Qualquer pessoa com acesso à Internet, esteja onde estiver, pode receber, enviar e deter Bitcoin recorrendo à versão pública da respetiva chave (ou seja, a versão da chave privada que pode ser livremente partilhada para receber fundos em segurança)."

E ainda recorda que "só haverá 21 milhões de bitcoin. O Bitcoin é dinheiro digital que não pode ser inflacionado ou manipulado por qualquer pessoa, empresa, governo ou banco central. O Bitcoin é altamente divisível. Pode deter, enviar ou receber frações de um BTC. A unidade mais pequena, ou seja, 0,00000001 BTC, é denominada de 'satoshi' ou 'sat'. À medida que o valor do bitcoin aumentou, a simples divisibilidade tornou-se num importante atributo".

Ora, como se pode ver pela imagem acima, a Bitcoin veio desde lá de baixo, atingiu o pico há cerca de 2 anos -  a 12 de Novembro de 2021 a valorização de 1 BTC chegou a mais de 65,4 mil euros, tendo depois caído quase tão a pique quanto a subida extraordinária em menos de um ano. Actualmente, 1 Bitcoin vale quase 27 mil dólares ou 25,5 mil euros, estabilizando o valor nas transações. É, contudo, uma moeda muito volátil e ao sabor do 'vento'.

De acordo com a 'coinbase.com' o "preço de Bitcoin caiu 2,60% nos últimos 7 dias. O preço aumentou 0,04% nas últimas 24 horas. Apenas na última hora, o preço caiu 0,08%. O preço atual é 25.532,39 € por BTC", referindo ainda que a Bitcoin está 60,99% abaixo do máximo de 65.446,78 €. A atual oferta em circulação é 19.514.337 BTC".

Mas não foi só o Bloco que questionou este negócio, ainda que noutra vertente, também o JPP apontou ao alvo. "Élvio Sousa anunciou, hoje (14 de Outubro), que o Juntos Pelo Povo (JPP) vai lançar uma 'investigação apertada' sobre os gastos deslocação do presidente do Governo Regional da Madeira a Amesterdão, bem como à criação de um Centro de Negócios Bitcoin na Região, anunciado ontem por Miguel Albuquerque. 'Recordamos que na viagem a Miami, para a Bitcoin 2022, Albuquerque gastou cerca de 26 mil euros em 4 noites em Miami, o equivalente a 37 ordenados mínimo regionais. Por isso, vamos laçar uma investigação apertada a estes gastos e sobre o negócio das bitcoins de Albuquerque', prometeu o deputado.

Ainda em plena campanha às legislativas regionais, também o PTP abordou o tema.

"Investimento digital na Madeira é uma treta para inglês ver", diz PTP

Partido salienta que "Bitcoin e cibersegurança é uma anedota de Miguel Albuquerque"

A 15 de Dezembro de 2022, o jornal britânico The Guardian noticiava que a "a criptografia foi criada para resolver a corrupção financeira. O escândalo FTX mostra que piorou". E acrescentava: "A 11 de Novembro de 2022, a FTX declarou falência. A empresa já foi anunciada como a Goldman Sachs da criptografia, e seu CEO, Sam Bankman-Fried, foi considerado por alguns o próximo Warren Buffett. E agora, logo depois de proclamar numa entrevista que não seria preso, está sob custódia nas Bahamas aguardando extradição para os EUA. Ele é acusado de uma série de fraudes e violações da lei de financiamento de campanha, no que os procuradores dos EUA chamam de 'uma das maiores fraudes financeiras da história americana'. Os investidores casuais, juntamente com financiadores que vão desde o Plano de Pensões dos Professores de Ontário até à BlackRock, que investiram milhões na FTX, não têm agora a certeza para onde foi o seu dinheiro e se algum dia o recuperarão. Envolto numa longa série de escândalos e colapsos, este parece ser o que minou a confiança dentro do setor de criptomoedas. Isso está longe de acabar."

Crypto was supposed to solve financial corruption. The FTX scandal shows it’s got worse | David A Banks

The collapse of FTX should provide a wake-up call to Rishi Sunak, who has been singing the praises of cryptocurrencies, says academic and author David A Banks

Neste link percebe-se a teia desta rede que qualquer normal cidadão teria receio de sequer se aproximar. E só foi actualizada em Março de 2023.

A queda da FTX ocorreu precisamente em meados de Novembro do ano passado e foi o principal motivo da quebra de valor das criptmoedas, com destaque para a Bitcoin. "O colapso da FTX ocorreu durante um período de 10 dias em Novembro de 2022. O catalisador foi um furo de 2 de Novembro do site de notícias criptográficas CoinDesk, que revelou que a Alameda Research, a empresa de negociação quantitativa também dirigida por Bankman-Fried , mantinha uma posição avaliada em US$ 5 bilhão em FTT, o token nativo da FTX", lê-se numa notícia da www.investopedia.com de 27 de Fevereiro de 2023.

Mais recentemente, a 3 de Outubro de 2023, a Tech Target lembrava que "Sam Bankman-Fried iniciou a FTX em 2019. Os clientes começaram a abrir contas na FTX para negociar e comprar criptomoedas, e os principais investidores de capital de risco começaram a entrar. Em Janeiro de 2022, a empresa valia US$ 32 bilhões".

"No entanto, isso terminou em Novembro de 2022. O que inicialmente parecia ser um descuido contabilístico revelou-se uma grande fraude e milhares de milhões de dólares foram perdidos por clientes e investidores. Foi descoberto que os fundos dos clientes foram para contas controladas pela Alameda Research – uma empresa de comércio de criptomoedas com sede em Hong Kong – em vez da FTX. Após esta revelação, a FTX começou a desmoronar", acrescentava o portal.

FTX scam explained: Everything you need to know

Learn how the FTX scam unfolded as one of the largest cryptocurrency exchange platforms files bankruptcy. Find out why the founder faces criminal charges.

Pode-se sempre afirmar que "uma andorinha não faz a primavera". Ou seja, não é porque este caso aconteceu que se deve catalogar todo o contexto das Bitcoins como fraudulento. Mas também é verdade que, como já vimos acima, as criptomoedas prometiam ser imunes precisamente aos males que enfermam o mundo dos negócios.

Contudo, também é preciso dizer que esse facto - fraude através das criptomoedas - despertou um novo objectivo. É o caso da parceria que junta duas empresas sedeadas no Centro Internacional de Negócios que viram neste problema um nicho de mercado a explorar.

Tecnológicas madeirenses impulsionam o uso de 'blockchain' para combate à fraude

A Nearsoft e a Connecting Software, empresas de informática a operar a partir da Centro Internacional de Negócios da Madeira, anunciaram hoje, dia 13 de Setembro, uma parceria estratégica para o uso da tecnologia blockchain no combate a fraudes.

Para já, sabe-se que no início de Março de 2024 vai ser realizado uma grande conferência tecnológica dedicada ao tema, intitulada 'Bitcoin Atlantis', precisamente promovida pelos consultores que trabalham junto do Governo Regional na criação desse centro de negócios.

Conferência tecnológica 'Bitcoin Atlantis' realiza-se na Madeira de 1 a 3 de Março de 2024

Depois do anúncio da criação de um Centro de Negócios Bitcoin na Madeira, na sequência do deslocação do presidente do Governo Regional a Amsterdão, sabe-se que agora que Miguel Albuquerque esteve na capital da Holanda, no dia 13 de Outubro, para anunciar a 'Bitcoin Atlantis', uma conferência tecnológica que acontecerá na Madeira nos dias 1 a 3 de Março de 2024.

Por fim, uma análise à posição do Banco de Portugal sobre o tema. "O Banco de Portugal é, desde 1 de Setembro de 2020, a autoridade competente quer no registo, quer na verificação do cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT), por parte das entidades que exerçam alguma das seguintes atividades com ativos virtuais:

  • Serviços de troca entre ativos virtuais e moedas fiduciárias ou entre um ou mais ativos virtuais;
  • Serviços de transferência de ativos virtuais;
  • Serviços de guarda ou guarda e administração de ativos virtuais ou de instrumentos que permitam controlar, deter, armazenar ou transferir esses ativos, incluindo chaves criptográficas privadas."

Em relação a tais entidades, de acordo com o regulador financeiro português a sua competência "se circunscreve à prevenção do BC/FT, não se alargando a outros domínios, de natureza prudencial, comportamental ou outra".

Nessa medida, "e em linha com os alertas que têm vindo a ser emitidos pelo Banco Central Europeu e pela Autoridade Bancária Europeia desde 2013, o Banco de Portugal chama a atenção para o seguinte: 

  • Os ativos virtuais não têm curso legal em Portugal, pelo que a sua aceitação pelo valor nominal não é obrigatória;
  • Não existe qualquer proteção legal que garanta direitos de reembolso ao consumidor que utilize ativos virtuais para fazer pagamentos, ao contrário do que acontece com instrumentos de pagamento regulados;
  • Em caso de desvalorização parcial ou total dos ativos virtuais, não existe um fundo que cubra eventuais perdas dos seus utilizadores, que terão de suportar todo o risco associado às operações com estes instrumentos;
  • O utilizador de ativos virtuais pode perder o seu dinheiro na plataforma de negociação;
  • As transações com ativos virtuais podem ser utilizadas indevidamente, em atividades criminosas, incluindo de BC/FT."

Portanto, sim, é verdade que alguns escândalos fiscais têm surgido neste sector, que é bem mais recente que qualquer outro a área financeira, mas também é verdade que as criptomoedas prometiam ser algo novo, diferente e alheio a estas operações fraudulentas, como também é verdade que no mundo das finanças têm havido escândalos tão ou mais gravosos para investidores privados e finanças dos Estados quanto foram os, ainda poucos casos, por comparação, das criptomoedas. E outra grande verdade é que as autoridades bancárias nacional e europeias 'torcem o nariz' a este conceito que começou a ganhar forma não tem 15 anos (a Bitcoin foi formada em 31 de Outubro de 2008).

O Bloco de Esquerda criticou Miguel Albuquerque porque, "enquanto as populações da Calheta, Câmara de Lobos e Porto Moniz sofriam com um dos maiores incêndios a assolar a Região", o governante, "numa suposta viagem privada, anunciava em Amesterdão a criação de um Centro de Negócios Bitcoin na Região". Mas será mesmo que "os maiores escândalos financeiros dos últimos tempos estão todos associados a bitcoin e demais criptomoedas"?