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Crónicas

O bom, o mau e o caixeiro-viajante

Nas vésperas da aprovação do Orçamento que promete 1000 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde, parece incompreensível o colapso diário de centros de saúde e hospitais de uma ponta à outra do país. Será que o investimento prometido sai mesmo do papel? Em 2021, o Orçamento prometia investir 693 milhões € em saúde e acabou a investir 42% do previsto. Em 2022, a jura orçamental foi de 555 milhões €, mas apenas 31% desse valor acabaria por ser executado. Em 2023, a promessa de orçamento rondou os 900 milhões €. Até Março, apenas 4% da verba prometida tinha sido executada. Existem mentiras, grandes mentiras e os Orçamentos do Estado.

O bom: Martim Meneses

Não conheço o Martim, mas habituei-me a ouvir o seu nome. Primeiro como breve apontamento, depois como nota de rodapé, até que a dimensão do sucesso passou a exigir destaque mediático coincidente. Aos 13 anos, o Martim é tetracampeão nacional de karting. Ganhou sempre por onde passou e fê-lo por mais do que uma vez. Nos campeonatos regionais, nacionais, na Taça da Madeira, na Taça de Portugal e no Open de Portugal. Embora o karting seja um desporto reconhecidamente caro, o sucesso do Martim não se forjou em facilidades e desafogo. Basta pensar que esta época, apesar de ter sido campeão, não realizou qualquer treino nas pistas onde o campeonato se disputava. É assim que se fazem os campeões – com dificuldades, sacrifícios e uma vontade desmesurada. Escrevo sobre o Martim, mas poderia ter escrito sobre a Madalena Costa, na patinagem livre, o Bernardo Pereira, na canoagem, o Tomás Lacerda, no stand up paddle, o Francisco Gouveia, no boccia, ou o Afonso Silva, na patinagem de velocidade. Todos seguiram o conselho de Saramago e saíram da ilha, para ver a ilha. Saíram da ilha, para se fazerem campeões. Mas sair é caro, tantas vezes impossivelmente caro, e, para isso, cada um destes jovens contou com as câmaras municipais, com os seus clubes, muitos deles só com a família e os amigos. É nessa encruzilhada que está o Martim. Sair da ilha para competir nas finais mundiais que terão lugar no Bahrain. O primeiro (grande) empurrão para lá chegar veio da Associação de Karting da Madeira, que garantirá a viagem. O segundo terá de vir de todos nós. Boa sorte, Martim! www.gofundme.com/f/internacionalizacao-martim-meneses-2023

O mau: O terceiro acordo

Esta crónica não é sobre José Manuel Rodrigues. Deputado competente e presidente cumpridor, Rodrigues é um dos grandes ativos (talvez dos últimos) que o CDS tem na Madeira. Fez-se fiel da balança parlamentar, em 2019, e, quando poucos esperavam, em 2023, voltaria a ser o escudo que completa a nota de mil. Já o escrevi várias vezes. O Presidente da Assembleia Legislativa deve ser o reflexo da composição do parlamento. Para muitos, isso significa que ao maior partido caberia indicar o Presidente, para outros a presidência é um trunfo no jogo da maioria parlamentar. Rodrigues valeu-se dessa aritmética e da trégua do PSD, ocupado com outras guerras, para negociar a curiosidade do presidente da Assembleia pertencer ao grupo parlamentar mais pequeno do plenário. O que a aritmética não explica, e a lógica dificuldade em aceitar, é a validação do acordo presidencial pela larga maioria dos deputados da oposição. Em boa verdade, o PSD celebrou três acordos para assegurar a maioria absoluta parlamentar. Um com o CDS e outro com o PAN. Ambos negociados de forma pública, votados pelas respetivas estruturas partidárias e entregues, não fosse alguém perdê-los, no arquivo do Palácio de São Lourenço. Todos os partidos da oposição, sem uma única exceção, criticaram ferozmente os acordos. Fizeram-no com toda a legitimidade. Do terceiro acordo, celebrado por José Manuel Rodrigues e tolerado pelo PSD, não se conhece negociação, ignora-se qualquer documento e duvida-se da validação partidária. O que fez a oposição? Bateu palmas e deu a benção ao acordo e à eleição. Apenas cinco deputados votaram contra. O acordo para a eleição de Rodrigues pode ter sido feito em prol da maioria, mas diz mais sobre a coerência da oposição na Madeira do que sobre quem o negociou.

O caixeiro-viajante: Paulo Cafôfo

Diz a sabedoria popular que nunca devemos regressar ao sítio onde já fomos felizes. Não sei se Paulo Cafôfo terá conhecido a felicidade como Presidente do PS, afinal abandonou o cargo a meio caminho, mas não duvido que o regresso anunciado faz da sua carreira política um monumento à inconsequência. Em 2019 renunciou à Câmara do Funchal, em 2021 demitiu-se do PS para regressar à escola e, em 2022, abandonou a escola para aterrar no Governo da República. 2023 promete não chegar ao fim sem nova demissão, desta feita da Secretaria de Estado. Cafôfo tem o direito a arrepender-se das causas que assume, por mais imediata que seja essa contrição. O que não deve é saltitar de causa em causa, de projeto em projeto, de cargo em cargo (alguns públicos) e deixar um rasto de vacuidades. Basta pensar na passagem meteórica pela Secretaria de Estado das Comunidades, da qual apenas restou a promessa de um avião que nunca levantou, o desastroso repatriamento de portugueses após o terramoto em Marrocos e a inenarrável mensagem aos portugueses em Israel, mais de 15 horas após o início dos ataques terroristas. São assim os homens providenciais, estão predestinados a grandes feitos e terminam encegueirados pelo próprio ego.