O direito de ser diferente
Fala-se imenso em igualdade, em direitos humanos e em inclusão. No entanto, há uma tendência da sociedade em catalogar as pessoas, associando o que se denominam como fórmulas de sucesso ao que se conquista pra fora. Fala-se em aceitar as diferenças, num tom generalista. Muitas vezes, como se essas diferenças tivessem que, necessariamente, estar associadas a alguma diversidade funcional. Mas esquece-se das diferenças individuais, que nos tornam seres humanos únicos.
Normalmente, tem a vida é mais facilitada quem reúne uma panóplia de características consideradas como “vantajosas”. A sociedade está mais orientada para quem é extrovertido/a, e ainda há uma grande confusão no que diz respeito às pessoas introvertidas – catalogadas como tímidas e pouco sociáveis, o que não corresponde à verdade. Existem pessoas introvertidas que são líderes naturais, e pessoas extrovertidas com dificuldade em falar em público. E está tudo certo, não somos robôs.
Nem todas as pessoas pensam ou funcionam da mesma forma, e que bom que assim é. Se assim não fosse, não haveria diversidade na espécie humana (até do ponto de vista biológico), não existiriam os confrontos de ideias responsáveis pelos avanços civilizacionais, não teríamos evolução. Seríamos seres formatados por moldes numa fábrica, iguais, virados para a produção em massa. Deixaríamos de ser… humanos.
Ainda assim, continuamos a procurar e a criar caixinhas para colocar pessoas que são assim ou assado. Os tais estereótipos. Até mesmo quem combate estes rótulos, tende a criar mais caixas para que haja “mais inclusão”. Esquecemo-nos de que existem pessoas que, simplesmente, encaixam-se em pedacinhos de caixas diversas ou não se encaixam, e provavelmente nunca se irão encaixar, durante toda a sua vida. Não nos esqueçamos de que as pessoas são uma panóplia resultante das suas experiências de vida, das suas escolhas, do seu percurso, e vão sofrendo transformações. Cada ser humano tem uma essência única, que pode estar mais ou menos evidente em determinadas ocasiões. Ainda assim, continuamos a escolher caixinhas, e a repetir as mesmas fórmulas de sempre, sem perceber que o resultado, também, será o mesmo.
Continuamos a abominar o erro. Às novas gerações, é pouco o espaço que se dá para falhar, para assumir e aprender com os erros, para ganhar consciência e empatia. Errar é, muitas vezes, alvo de vergonha e carrega o peso de uma profunda frustração. E vamos criando pessoas altamente perfeccionistas e exigentes, porque mais facilmente se fazem críticas do que elogios sinceros. Já enquanto pessoas adultas, temos muitas vezes dificuldade em lidar com os elogios sinceros, que são de extrema importância para o nosso bem-estar e autoconfiança e deveriam ser uma prática comum.
Julgamos as pessoas pelas aparências. E aquelas que consideramos fortes e capazes, tendemos a deixar para lá porque não precisam de ajuda nem de uma “forcinha”. Esquecemo-nos das diversas máscaras que todas as pessoas utilizam ao longo da vida, e que muitas vezes a força esconde a vulnerabilidade. Romantizamos o sofrimento. Escutamos inúmeras vezes a expressão “mulher guerreira” como algo “top”, incluindo nessa definição os mil papéis que uma mulher, supostamente, deve assumir de forma extremamente capaz – mãe, trabalhadora, empreendedora, cuidadora da família e das suas necessidades, voluntária, bem-parecida, etc… Romantizamos o cansaço, por vezes extremo, dessas “mulheres guerreiras”. Esquecemo-nos das que, simplesmente, não querem “guerrear” e querem ser… felizes. E sentir-se realizadas. Que nem sempre desempenham todos esses papéis, e que essa escolha deve ser respeitada e não forçada.
Se enquanto sociedade almejamos a paz e o respeito pelas diferenças, temos que sanar as nossas guerras interiores, em primeiro lugar. Perceber que ninguém muda ninguém. “Sê a mudança que queres ver no mundo”, já dizia Gandhi. E a mudança começa mesmo no interior de cada pessoa.