Qualificação ou Escolarização?
Nos últimos tempos, passou a ser recorrente ouvir-se, tanto de personalidades políticas, como até de alguns empresários, que Portugal conseguiu dar um salto ao nível educativo e atingir um patamar assinalável no que se refere à qualificação da sua população, particularmente a mais jovem. É um fato que depois de mais de 40 anos sob o jugo de uma ditadura, onde não proporcionar educação à população era uma estratégia, e estando decorridos quase 50 anos de instalação da democracia em Portugal, estranho seria que estivéssemos na mesma, tanto ao nível de escolarização dos cidadãos, como a outros níveis. No entanto, quando falamos de qualificação deve estar presente, conhecimento, aptidão, experiência e atitude, como competências necessárias e capacitantes, de modo a habilitar o individuo a exercer uma profissão. Ora se quisermos ser rigorosos, o que na verdade Portugal conseguiu, foi aumentar os seus níveis de escolarização, que é algo muito diferente do degrau da qualificação. Invariavelmente, confunde-se qualificação com graus de ensino obtidos, quando a verdadeira qualificação só se obtém em contexto profissional “sem rede” e em ambientes profissionais competitivos. Não é por acaso, que para acesso a determinadas profissões, as ordens profissionais respetivas exigem estágio profissional. Mas mesmo estes estágios profissionais obrigatórios, são ainda uma formalidade, sendo evidente que não atestam, substancialmente, a posse de qualquer qualificação. A verdadeira qualificação, depois de obtidos “os mínimos”, é um processo contínuo. Mas mais, a ser real a propalada meta atingida de qualificação, não se refletiu em melhores salários, pois o que se verifica é que “se tem deixado” que os ordenados médios estagnem, sujeitando-se a serem perseguidos e alcançados pelo salário mínimo nacional, o que é trágico, pois a população maioritariamente afetada é a classe média, cuja fragilização é um rude golpe em qualquer sociedade onde o estado de direito democrático esteja instalado. Sem uma classe média devidamente sustentada e firme, a tendência é essa mesma sociedade vir a dividir-se em muitos pobres e poucos ricos, o que é um prenúncio do surgimento de muita desigualdade e consequentemente, o germinar da insegurança e da violência. É, aliás, o que cada vez mais se assiste em Portugal e por esse mundo fora, dito civilizado. Em face do que escrevi até aqui, poderíamos ser levados a concluir que afinal a tal (pseudo) qualificação foi prejudicial. Não, não foi. É óbvio, que a posse de mais escolaridade é sempre desejável a pouca, ou nenhuma. Trata-se de mais uma falácia ou incorreção, pois o que realmente se passa, é que nem os jovens estão mais qualificados, mas sim escolarizados, ou seja, têm mais anos de frequência escolar, nem a economia portuguesa se moldou a esta nova realidade. E é manifestamente notório que os conteúdos que se ministram terão de ser revistos, já que não incitam, ou incitam de modo insuficiente, o pensamento crítico, essencial em qualquer área da vida e do conhecimento, ou seja, também no caminho para a obtenção da propagada qualificação. E que como dizia o outro, querer qualificar as pessoas, apenas com a teoria, é como tentar matar a fome lendo apenas o menu.