O perigoso desleixo das maiorias
As demissões sucessivas num governo de maioria absoluta, logo mais desleixado e menos precavido para desgastes inusitados, resultam nalguns casos de aselhices pessoais que são anteriores aos exercícios de cargos públicos e que, pelos vistos, até foram ditos a quem de direito, gente de bem mas que, como se sabe, normalmente padece de amnésia repentina. Ora, como num país do faz de conta nem tudo é escrutinado a tempo e horas por quem convida, nem gerido com bom senso por quem é convidado, impõe-se uma medida radical. Um detector de mentiras ou um inquérito prévio aos comportamentos éticos resumem-se à sugestão de um mecanismo de verificação, de submissão a um espécie de comissão de avaliação dos candidatos a governantes, que aliás existe para os deputados. Um expediente desejado por António Costa para o qual conta com a cumplicidade do Presidente da República, embora Marcelo Rebelo de Sousa já tivesse deixado um alerta, que indicia pouca disponibilidade para investigações preliminares susceptíveis de envolvê-lo em confusões: “A haver uma intervenção, e veremos de quem, como, para apurar problemas de legalidade, problemas de constitucionalidade ou problemas de impedimentos relativamente a quem vai ser nomeado para determinados cargos, como estes de que se falou, eu acho que deve ser antes de o Governo apresentar a proposta ao Presidente da República”! Fica assim claro quem deve fazer o trabalho de casa de modo a evitar escândalos e cerimónias de posse para mandatos que duram menos de 24 horas: a Belém só deve chegar o nome com folha limpa e sem rabos de palha.
Quanto às demissões que resultam já do exercício do poder, importa distinguir os planos, sob pena de enveredarmos injustamente pela generalização abusiva dos políticos que nos governam e das habituais desconsiderações que são todos ladrões, incompetentes e corruptos.
Os bons também se abatem por via de estratégias nem sempre transparentes, sendo que a outros, dados como promissores, até dá jeito passar por momentos à reserva por razões políticas, uma travessia do deserto que visa preparar um regresso demolidor.
Lamenta-se que quem manda e jurou desempenhar cargos com lealdade revele tanto desconhecimento sobre o que devia saber, até porque muitas coisas há que são públicas e nalguns casos publicadas; que as polémicas e a forma abusiva como se lesa o Estado não dignifiquem a classe política e a descredibilizem de forma acentuada; e que face ao pântano os que não querem chatices se afastem dos cargos de responsabilidade colectiva e do executivo.
Estar no governo já não é um exclusivo para quem é mais capaz.
É lugar que sobra para os menos maus, os que mostraram serviço nos partidos ou os que foram beneficiados e não têm forma de dizer não. Também porque os nossos melhores optam pelo conforto bem pago do sector privado pois já são poucos os que aceitam desafios mal remunerados, prescindindo de vida própria e de sossego. De modo geral, o assunto é sério, como próprio primeiro-ministro admite: “Eu não acho que possamos e devamos normalizar situações anómalas mesmo que sejam casos e casinhos. Têm que ser levados a sério e sobretudo tem que se dar confiança de que os levamos a sério”. Sendo sério, estranha-se que na Região alguns tentem colher dividendos da desgraça alheia. Na República, a bronca rebenta, os prevaricadores caiem ou são postos a andar e a remodelação acontece.
Aqui por muito pior – e todos se recordam da dívida escondida que para além colossal nos obrigou a um resgate financeiro - ninguém caiu, nem foi preso.