Novo 'Ticão' cumpre um ano com "balanço positivo" para a Associação de Juízes
O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) cumpre hoje um ano com uma nova orgânica que alargou o lote de juízes de dois para nove e o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) faz um "balanço positivo".
Em declarações à Lusa a propósito das mudanças operadas no tribunal também conhecido por "Ticão", Manuel Soares salientou a importância de esta instância estar a "funcionar normalmente", sem a sua atividade se reduzir aos juízes Carlos Alexandre e Ivo Rosa, que concentraram o protagonismo durante os últimos anos.
"Quando um tribunal executa a sua missão sem demasiado ruído e sem foco excessivo na pessoa de quem decide, sem dramas sobre a distribuição dos processos, com o país parado a saber se vai para o juiz A ou B ou se o juiz A ou B tem uma interpretação da lei mais alinhada com os interesses da acusação ou com os direitos da defesa, o balanço tem de ser positivo. O TCIC está a funcionar normalmente, como é suposto que esteja", afirmou.
Os dois magistrados que ocuparam as vagas no TCIC durante os últimos anos estão ambos de saída: Ivo Rosa tem a sua promoção aos Tribunais da Relação suspensa devido a um processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura, enquanto Carlos Alexandre espera ainda por uma decisão sobre a sua candidatura à Relação. Contudo, o presidente da ASJP rejeita a ideia de que o tribunal que tem a seu cargo os processos mais mediáticos vá perder experiência.
"Os juízes que estavam no TCIC e que vão ou podem ser promovidos à Relação, como é normal na nossa carreira, não tinham necessariamente mais experiência que os outros juízes que lá ficam", observou Manuel Soares, lembrando que há agora outros magistrados com muito tempo na fase de instrução criminal e sublinhando: "Isso de achar que só há dois juízes no país que podem desempenhar funções num tribunal qualquer não tem o mínimo sentido".
Uma das críticas mais destacadas às alterações no "Ticão" partiu de um dos seus próprios juízes, quando Ivo Rosa apontou uma menor especialização na nova estrutura desta instância, por força da fusão com o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, deixando de estar dedicado em exclusivo à criminalidade mais complexa e organizada de cariz nacional/transnacional.
Instado a analisar esse argumento, Manuel Soares refutou uma perda da especialização e notou que o antigo JIC de Lisboa já "tinha competência para processos com a mesma criminalidade do TCIC" e que a única diferença assentava no âmbito territorial. "O tipo de processos é o mesmo e a sua complexidade não varia significativamente", explicou.
O presidente da ASJP admitiu também que "não é suposto" que tenham sido colocados magistrados no novo TCIC sem cumprirem todos os requisitos de classificação e antiguidade, como sucedeu no último movimento de juízes, assinalando a expectativa de que tal tenha acontecido "excecionalmente", mas garantiu entender as razões por detrás da escassez de candidatos para as vagas.
"Com o foco excessivo na pessoa do juiz, parecendo que é mais importante saber quem é o juiz, o que pensa, o que faz, se vai ao ginásio, se tem filhos, do que a sua decisão, se decidiu mal ou bem, depressa ou devagar, é normal que alguns juízes não queiram sujeitar-se a essa devassa e prefiram ir para outros lugares", disse.
E reforçou: "Não há nenhum drama porque todos os juízes têm qualificação suficiente para exercer funções em qualquer tribunal e o sistema de recursos permite a correção de eventuais erros de decisão. Julgo que à medida que as coisas forem normalizando e que aquele tribunal passe a ser tratado como os outros, o problema vá desaparecendo".
Reconhecendo que o "Ticão" continua a fazer "sentido" na orgânica judicial portuguesa com um modelo de instrução criminal como aquele que está previsto, Manuel Soares expressou, porém, "as maiores dúvidas" sobre a continuidade da própria fase processual de instrução e lembrou que a ASJP vem defendendo esse debate já desde 2011.
"Acho que devia abrir-se essa discussão. Não à luz dos interesses parcelares de cada profissão, mas sim à luz do interesse da Justiça e dos cidadãos. Temos um Ministério Público autónomo e qualificado, que investiga com liberdade e acusa ou arquiva de acordo com uma análise objetiva dos indícios. Não vivemos num sistema de investigação policial subordinada ao poder político", sentenciou.
Criado em 1999, o TCIC funcionava até há um ano com apenas dois juízes e passou a contar com nove, devido à extinção do JIC de Lisboa, cujos juízes e funcionários judiciais foram igualmente 'absorvidos' pela estrutura do TCIC, que se mudou também para as instalações do Campus da Justiça, no Parque das Nações.
A proposta do Governo para fundir o JIC de Lisboa com o TCIC, com a consequente transferência dos sete juízes, foi aprovada em Conselho de Ministros em junho de 2021 e pelo parlamento em outubro seguinte.