Exaltar o precípuo
Na prática, vemos malhadas a mudar de direção conforme calha a vontade do pegureiro
A palavra transição tem vindo a ser utilizada como motivo de apelo a algumas mudanças, necessárias para obviar inconvenientes que se adivinham sérios. Numa perspetiva global a transição energética é a proposta, vaga de indubitabilidade, face à ausência de solução tecnológica capaz de resolver a questão. Na economia, a transição pretende-se justa equitativa e inclusiva, acrescentando a intenção de não deixar ninguém para trás. Boas intenções, imperativas em qualquer discurso, contraditadas pelo aumento galopante das fileiras da pobreza.
Depois temos a paz, como caminho de saída do engarrafamento bélico que se acrescenta em geografia, aproximando-se em banalização e em risco para os que sempre viram a coisa apenas pela televisão. E temos a apertada memória de uma pandemia que durou mais do que o seu esquecimento breve, não dando espaço ao cumprimento das lições sugeridas, não aprendidas, afinal.
O problema maior da transição, seja qual for, é o vazio do destino. Sem saber para onde, o caminho banaliza-se em ritual sem sentido. Na prática, vemos malhadas a mudar de direção conforme calha a vontade do pegureiro. Corremos, cansados, sem sentido, em direcção a lugar nenhum.
De novo, e como sempre, é preciso visão, caminho, orientação, destino sem que isso signifique ter que ir longe ou fugir seja do que for. A distração do vazio impede-nos de perceber o essencial, o ser, o que somos, o que precisamos e o que podemos, afinal, decidir e fazer. Voltar a ser gente, em detrimento de consumidores. Ser livres no pensamento e na decisão, sem precisar de guias e normativos de modas, tendências de mercado e ditames que toldam a dívida e limitam a decisão.
É um novo ano, geralmente tempo de decisões, de planos e projeções. Que seja o momento de reencontro de cada um com si mesmo e com a liberdade de poder decidir ser gente. Que o novo tempo exalte o precípuo e que essa revisitação funcione como despertar para a responsabilidade e não pelo seguidismo do fácil ou do imposto determinado por modelos de conveniência. Substituir a esperança pelo esforço, o laxismo pela responsabilidade, a negligência pela exigência e escolher como desígnio a dignidade, própria e colectiva. Nesta construção cabem soluções para problemas globais, enormes, mas nunca tão grandes como a razão e inteligência, valores únicos de uma espécie única que de tempos em tempos parece esquecer quem é. Um Feliz Ano Novo.