A Tertúlia do Tacho na “Tia Alice”
Tantas vezes viajamos para fora ou esquecemo-nos de que há um país maravilhoso por descobrir
Esta semana, cumprindo o prometido demos inicio à Tertúlia do Tacho, desígnio que tinha para este ano. À medida que o tempo vai passando mais vou tendo a certeza que a vida são os momentos bons que colecionamos, as histórias que ficam para contar, a amizade e a cumplicidade e o abrir de horizontes, indo à descoberta do Portugal gastronómico tão rico e diverso. A ideia é fazer um almoço por mês, num restaurante sempre em distritos diferentes. Perceber os sabores e as especificidades de cada região, identificar os produtos locais e a riqueza da nossa cultura mas também falar com pessoas, trocar experiências e beber um pouco do que nos têm para contar. Tantas vezes viajamos para fora ou esquecemo-nos de que há um país maravilhoso por descobrir, que com criatividade e vontade nos pode levar para um imaginário de sensações, sem termos que gastar o que não temos. Nós que por cá vivemos temos o hábito de nos centrarmos no muito que temos para crescer e no que vai mal na nossa sociedade, tanto que nem nos apercebemos porque é que quem vem de fora fica tão apaixonado pelas nossas raizes e tradições. Damos pouco valor, está adquirido por defeito e já não vemos aí magia nenhuma. A verdade é que se nos dispusermos a percorrer de norte a sul passando pelas ilhas facilmente percebemos que mesmo no meio de tanta coisa para melhorar somos feitos de gente criativa, que sabe fazer com qualidade, estamos pejados de beleza natural e de características tão nossas que nos tornam únicos.
Decidi começar este périplo pela “Tia Alice” em Fátima. Porque é a minha terra e nós devemos sempre prestigiar os nossos mas sobretudo porque o restaurante é o retrato perfeito da nossa gastronomia de excelência e nós temos de facto gastronomia de excelência que vai muito para além das estrelas do boneco feito de pneus. Eu gosto de entrar num espaço onde se nota a preocupação pelo detalhe e onde a simplicidade é o factor de sucesso. O jardim que lhe pertence dá-lhe uma frescura que complementa a sobriedade das salas, simples o suficiente para não tirar o foco dos pratos mas elegante ao ponto de quando entramos sentirmos um certo respeito, como se entrássemos em solo sagrado. Eu pelo menos sinto isso. Os pratos e as manteigueiras pintados à mão respiram a nossa tipicalidade e o pão caseiro, cozido em forno a lenha, não tem, paralelo no nosso país. Não há pão como aquele. Eu que para mal dos meus pecados a cada dia que passa mais gosto de pão e de manteiga sinto vontade de me empanturrar logo ali e só não o faço porque sei ao que vou e não me deixo enganar. Os empregados sempre sorridentes mal se notam, tudo flui com naturalidade e a energia reflete-se na cara dos clientes. Chegámos atrasados uma hora e fomos recebidos pela Lúcia com a mesma simpatia de sempre. De repente, cheios de fome apetece-nos tudo, mas concordamos em pedir o suficiente para não estragar comida e se ficássemos com fome reforçaríamos o pedido. Não foi preciso. Uma morcela crocante por fora e cheia de sabor para todos e duas sopas ricas de feijão só porque a vimos passar e não lhe conseguimos ficar indiferentes. Correspondeu às expectativas.
A cama estava feita, faltava preencher o resto. Arroz de pato para as meninas, e bacalhau com camarão para os meninos. Não me surpreendeu porque é o meu prato preferido, estava como deve estar um prato de um restaurante com muitos anos de sucesso. Consistente. Não consigo ir ali almoçar sem lhe passar por cima. Quem me acompanhou ficou deliciado. Diz que o arroz também estava bom mas não o provei. Para finalizar um pouco de vitela para todos, outro dos pratos famosos da carta. Satisfeitos, passámos para as sobremesas, que eu sinceramente dispensava por ter comido mais do que era suposto mas temos uma doceira no grupo e parece que o bolo de noz com ovos moles foi o melhor que já provou. O leite creme estava muito bom, queimado no momento como manda a lei. O tempo ali passa rápido e quando demos por nós estávamos sozinhos na sala mas não havia vontade de ir embora. O Nuno um dos donos do espaço deu-nos o prazer de trocarmos dois dedos de conversa, de falar dos sabores da terra, dos bolos da minha bisavó feitos em forno a lenha que se perderam para sempre, dos chicharos que é um dos segredos mais bem guardados da gastronomia regional e de vinhos. Falámos disto e daquilo, rimos, aprendemos e crescemos. Quando dei por mim era hora de voltar para Lisboa mais do que atrasado para escrever esta crónica que tal como o pão acabou de sair do forno.
No regresso, ao som de Aretha Franklin, falou-se pouco. Acho que vínhamos todos a absorver as horas bem passadas, o silêncio por vezes é a melhor das mensagens. Estávamos satisfeitos e felizes. Acho que na cabeça de todos pairava o mesmo, ainda bem que nos predispusemos a entrar nesta aventura. Às vezes não é uma questão de tempo, nem de dinheiro, é uma questão de vontade e determinação. A base de tudo isto é a amizade. 5 amigos que decidiram ir por aí, descobrir o país e colecionar momentos perfeitos. Não podíamos ter começado melhor. Para o mês que vem há mais. A brilhante frase do Turismo de Portugal “vá para fora cá dentro” ecoa na minha cabeça com mais sentido porque temos de facto muitos produtos de qualidade para apresentar e se o pudermos fazer entre amigos, pessoas que gostam de estar umas com as outras e que desfrutam da companhia então nada mais falta. Não há nada mais profundo na vida do que o amor de uma verdadeira amizade. Sentados à mesma mesa demos corpo e tempo às nossas vontades. Esta já ninguém nos tira. Mais uma para a caderneta das boas memórias.