Análise

“A democracia está doente”

O presidente da República começou o ano a alertar para a necessidade da democracia ir à consulta de rotina, por entender que “precisa, mais do que nunca, de ser cuidada”. Para não destoar, o presidente do parlamento madeirense assumiu, por duas vezes na mesma semana, que “a democracia está doente e precisa de terapias”.

Na Escola Secundária Francisco Franco repetiu o que já havia dito no Encontro Internacional de Juristas, mas aproveitou o facto de estar perante jovens que analisavam “o valor da democracia” para admitir haver défice de ética e de transparência no sistema.

Na mesma semana em que José Manuel Durão Barroso veio à Região admitir que a nova geração “não tem entusiasmo por política” por existir na sociedade portuguesa um certo “descrédito” em relação à classe que faz carreira no poder ou na oposição, José Manuel Rodrigues denotou mágoa em relação a comportamentos que de forma geral comprometem a democracia. Sabe do que fala. Convive todos os dias com alguns deputados que atraiçoam o voto, que escondem o jogo, que acumulam funções, que desconhecem as leis, que produzem barbaridades, que são cúmplices das liberdades condicionadas, que protegem o seu e os seus, que se acomodam ao conforto do mandato, da imunidade e da impunidade e que até fomentam o insulto aos jornalistas, a quem incessantemente imploram espaço, destaque e favores.

Perante tamanho diagnóstico, foram-lhe sugeridos remédios, com a dosagem ao critério de quem tem a missão de curar as ameaças à liberdade e à responsabilidade. A coerência dos eleitos e o espírito crítico dos eleitores; o empenho na participação cívica por parte dos cidadãos e a elevada exigência de seriedade em relação aos poderes; o escrutínio sistemático dos governos e das oposições e a necessária formação que garanta a qualidade dos desempenhos foram alguns dos desafios feitos para que a democracia não definhe nas mãos daqueles que dela mais precisam.

Na Região Autónoma do “défice democrático” é mais fácil criar perfis falsos do que dar a cara, ajustar contas com base em denúncias anónimas do que ser justo sem medo, votar por tradição do que em consciência e deixar para terceiros do que fazer o que nos cabe. Também por isso é que não tem havido alternância no poder regional, numa terra em que as convicções nunca são aliadas da realidade, antes cúmplices das narrativas que mais jeito dão em cada momento.

Também por isso vai ser preciso bem mais do que encenações eleitoralistas para ganhar as ‘Regionais’ deste ano, mesmo que possa haver papelinhos de fartura para queimar no Carnaval e ingredientes suficientes de motivar comissões de inquérito, a última das quais com propósitos inquinados à partida. Partir de um juízo de valor e julgar que 90 dias serão suficientes para que sejam apresentadas conclusões que decorrem de denúncias de Sérgio Marques, susceptíveis de configurar a prática de diversos crimes na Região, é bem revelador do estado de alma de quem alega querer fazer trabalho sério, logo, sem deliberações previamente fabricadas. Mesmo assim, é previsível que na voragem por colher frutos eleitorais, há gente aparentemente insuspeita, sempre muito defensora da transparência e do rigor, que vai corar de vergonha, esteja ou não, presente na comissão.

A fazer fé nos eleitos – e alguns revelaram nos últimos dias não ter agenda própria, já que andaram única e exclusivamente à boleia das polémicas – é desta que a Madeira vai saber que tipo de pressões desencadeiam os grupos empresariais sobre o Governo! Mas será que a oposição, que age como se não tivesse rabos de palha nas relações de dependência, vai querer ouvir falar do financiamento dos partidos?

Nem de propósito, também esta semana, um outro centrista, o ex-secretário de Estado, Paulo Núncio, partilhava no ‘Observador’ um retrato cruel da realidade política nacional: “Muitos partidos enchem o espaço mediático com críticas às opções socialistas, mas não têm a mínima das noções do que é governar Portugal. E o país, depois do desnorte socialista, precisará de partidos com credibilidade, experiência governativa e provas dadas, principalmente em momentos difíceis”.

Com as devidas diferenças, mas tendo em conta o estilo de protesto em que, quem não manda, se especializou, a Madeira corre o risco de continuar ligada à mesma máquina de sempre.