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Associação acusa autarquia de não respeitar principio da laicidade do Estado

O vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, durante a apresentação do Plano e Investimento da Jornada Mundial da Juventude, da responsabilidade da autarquia no Parque Tejo.   Foto ANTÓNIO COTRIM/LUSA
O vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, durante a apresentação do Plano e Investimento da Jornada Mundial da Juventude, da responsabilidade da autarquia no Parque Tejo.   Foto ANTÓNIO COTRIM/LUSA

A Associação República e Laicidade acusou a Câmara Municipal de Lisboa de não respeitar integralmente o princípio da laicidade do Estado a propósito dos gastos com equipamentos para a Jornada Mundial da Juventude.

Numa carta enviada ao presidente da autarquia, Carlos Moedas, disponível hoje no seu 'site', a associação considera que os equipamentos foram "inaceitavelmente encomendados pela igreja católica" e lembra que "uma câmara municipal portuguesa não pode incluir cerimónias religiosas nas suas atividades nem incentivar à presença nas mesmas".

"Recordamos que em Portugal vigora constitucionalmente a separação entre o Estado e as igrejas e outras comunidades religiosas (...) e que a Lei da Liberdade Religiosa (...) estipula que 'o Estado não adota qualquer religião' (...) e também que 'nos atos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade'", escreve, lembrando que "não há qualquer exceção a estas normas para as autarquias".

A polémica com os gastos na Jornada Mundial da Juventude, que vai decorrer em agosto, em Lisboa, surgiu quando se noticiou que o 'altar-palco' do evento, onde o Papa Francisco vai celebrar a missa final, vai custar mais de cinco milhões de euros.

Na carta, a associação lembra a Carlos Moedas que a autarquia lisboeta está a colaborar na organização das Jornadas Mundiais da Juventude -- onde pretende investir cerca de 35 milhões de euros -, um evento "objetivamente de promoção da religião católica".

Na carta, a associação considera também "particularmente grave o elevado custo -- seis milhões de euros -- previsto para o 'altar-palco' do Parque Tejo".

"Segundo declarações suas [Carlos Moedas] que são públicas, este equipamento permanente resulta de uma encomenda da igreja católica, que terá 'especificado' como seria o 'altar'. Não é aceitável que uma comunidade religiosa encomende equipamentos seus às custas dos contribuintes", afirma.

A Câmara de Lisboa tinha justificado na quarta-feira o investimento no altar-palco com as necessidades do evento e as características do terreno, sublinhando que a estrutura poderá receber 2.000 pessoas, metade dos quais bispos, e continuará depois a ser utilizada.

A este propósito, a associação diz que não lhe parece que aquela construção, "decorada com um símbolo religioso", seja facilmente adaptável para outras finalidades.

"Sabe-se também que haverá um segundo 'altar', destinado ao Parque Eduardo VII, que presumivelmente também obedecerá a uma encomenda da igreja católica às custas dos contribuintes, e para o qual se levantam as mesmas questões", sublinha.

Lembra ainda a Carlos Moedas que uma câmara municipal da República portuguesa não pode, face à Constituição, organizar cerimónias religiosas seja de que religião for, ou incentivar à participação nessas cerimónias.

"O culto religioso deve ser livre, mas o Estado, mesmo que local, não pode participar do mesmo. Esperamos que a Câmara Municipal apenas construa equipamentos permanentes que possam ser usados para outras finalidades, mas também que não considere as cerimónias religiosas parte da sua atividade", refere a missiva.

Na carta, assinada pelo presidente da direção da Associação República e Laicidade, Ricardo Gaio Alves, a instituição diz ainda esperar que os membros da vereação "se abstenham de incentivar ou apelar a que os cidadãos participem em cerimónias religiosas".

"Enquanto governantes eleitos da cidade, devem separar rigorosamente as suas opções pessoais em matéria religiosa das suas funções de governação de uma cidade que não tem religião oficial", acrescenta.

Numa conferência de imprensa ao final da tarde de quinta-feira, o presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 disse que o valor do altar-palco onde o Papa vai celebrar a missa final "magoa todos", realçando o contexto das "dificuldades" económicas "das famílias".

Admitindo eventuais correções, se necessárias, o bispo Américo Aguiar disse que a organização vai reunir-se nos próximos dias com as equipas responsáveis pelo projeto para aferir "qual a razão desse valor".

A Jornada Mundial da Juventude, considerada o maior acontecimento da Igreja Católica, vai decorrer entre 01 e 06 de agosto, sendo esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas.