A matriz do amor sem medida
Viver em congruência não é o mesmo que ser perfeito. Ser congruente não é o mesmo que fazer e sentir sempre o que é esperado. Viver congruente é ser autêntico. É ser real. É ser inteiro. É ser amor.
“A medida do amor é amar sem medida.” A citação é de Santo Agostinho. Ressoa no meu coração desde o primeiro dia em que a li. É a partir dela que desenvolvo grande parte do meu trabalho, seja no jornalismo, na programação neurolinguística, na parentalidade generativa. Na verdade, é a base das minhas intenções. Ou seja, da minha vida. Só podemos criar relações saudáveis, seja em que contexto for, quando temos uma relação saudável connosco próprios. É claro, certo? E essa relação saudável pressupõe viver em amor incondicional, o que traz a verificação constante da nossa congruência.
Há dias fiz uma partilha no feed do meu Instagram e percebi rapidamente que ainda não é assim tão percetível, como é possível viver em congruência. O que torna mais desafiante verificar se ela está ou não tão presente, como é desejável. Por isso, hoje quero contribuir para desmistificar a estratégia profunda deste processo e podermos assim, ganhar mais autoconsciência e maturidade.
A congruência – que é um dos meus principais valores - acabou por ser ocupada pela consistência, numa aérea pessoal da minha vida. Andei anos assim, sem perceber (ou, provavelmente, sem querer ver, a viver escrava do que é esperado de nós, mulheres, mães, esposas). A consistência conduz-nos aos objetivos e não necessariamente respeita a nossa congruência. Aliás, é muitas vezes geradora de conflitos internos, causadora de esforço desnecessário. Isso nota-se numa luta interno, certo?
Em programação neurolinguística (PNL), dizemos que a congruência é a sintonia entre o que pensamos, sentimos e fazemos. Existe harmonia entre diversos níveis neurológicos. Falamos de congruência quando a forma como nos comportamos no mundo está em harmonia com as nossas capacidades, valores, crenças e convicções, alinhada com a nossa identidade e na forma como experimentamos a nossa transcendência – a nossa missão em relação a nós próprios, ao próximo e ao mundo. Existe portanto, um alinhamento de três dimensões - pensamento, sentimento e comportamento. E assim, podemos ser congruentementes em todos os momentos, mesmo quando nos sentimos tristes, ou quando sentimos alegria, confiança. No fundo, é como dizia Carl Rogers, o pai da psicologia humanista: a congruência é a combinação e o ajuste entre os estados internos de uma pessoa e a sua manifestação externa. Existe congruência quando há coerência entre o acontece dentro e fora de nós.
Steve Andreas, psicólogo e co-developer da PNL, lembrava que no estado de congruência não existe nenhum "tem que", "deveria". Porquê? Porque viver em congruência mantém-nos no presente, aqui e agora. Sem necessidade de estar noutro lugar, a fazer outra coisa, sem que alguma parte de nós queira mudar ou acrescentar algo ao que está a ser vivido, a nós ou ao outro. Isto, é a expressão máxima da congruência. Que é como quem diz, a base de uma relação saudável e madura.
Para relembrar a congruência basta observar uma criança. Tudo o que expressa é inteiro. Fome, sono, dor, alegria. As suas emoções são manifestadas intensamente, sem repressão. Ela vive plena, presente na sua emoção. Como diz o ditado budista: "Quando tenho fome, como; quando estou cansado, sento-me; quando estou com sono, durmo."
Só que à medida que crescemos, esse estado tende a ser abandonado. Até porque, entramos em contacto com os opostos e a incongruência nasce dos conflitos internos entre partes que nos habitam e que estão em desacordo entre si. Uma parte nossa talvez queira comer demais, e outra parte sabe que esse comportamento é nocivo a médio prazo. Portanto, crescer tende a significar, em muitas situações, abandonar a congruência. Mas hoje, depois de ter passado pela consistência, escolho, definitivamente e em consciência a paz de viver em congruência, de deixar de lado as máscaras, de viver em plenitude. Quando nos permitimos vivenciar a congruência, deixamos de negar partes nossas, deixa de existir conflito entre diferentes desejos ou oportunidades, não há nenhuma decisão a ser tomada, nenhuma alternativa a ser considerada, não há nada a ter que ser feito. E é por isso que há quem descreva a congruência como sendo mística. E o melhor de tudo? A inteireza que traz. É ela que nos oferece o dom da clareza. Quando somos congruentes, aceitamos até o que mais tememos, perdemos o medo, e aí nada nos pode parar! O que é isso senão o amor sem medida?!