Madeira

Antigos e actuais líderes do PS e PSD Madeira fazem a radiografia aos erros e acertos que levaram aos falhanços e vitórias

Mais uma reportagem do DN (Lisboa) sobre a política regional que ouviu histórias sobre como ganhar e perder eleições, Autonomia, medo, dependências, votos comprados e instruídos

Foto Aruivo/Aspress
Foto Aruivo/Aspress

Alberto João Jardim, Mota Torres, Emanuel Jardim Fernandes, Jacinto Serrão, Carlos Pereira, Victor Freitas, Miguel Albuquerque, Pedro Calado, Sérgio Marques, João Cunha e Silva, Paulo Cafôfo, Miguel Sousa, Guilherme Silva, Sérgio Gonçalves, entre outros actuais e antigos dirigentes do PSD e do PS madeirenses, procuram explicar ao Diário de Notícias (Lisboa) as razões do sucesso e do insucesso de uns e de outros nas urnas. Histórias que muitos madeirenses conhecem mas que, resumidos em quatro páginas, permitem perceber que o sentimento ilhéu, conservador e de luta pela Autonomia, marcou desde o início a diferença entre vencedores e vencidos nas várias eleições desde 1976. Este ano voltam os eleitores a escolher.

Depois de uma primeira parte, onde o protagonista principal o agora ex-deputado PSD, Sérgio Marques, foi o centro das atenções pelo que disse ao jornalista Artur Cassiano, que inclusive levou à sua renúncia ao mandato na Assembleia da República e à sua condição de dirigente social-democrata, esta segunda parte, publicada hoje, vai aos confins da Democracia madeirense, procurando respostas pela voz dos referidos protagonistas, sobre os motivos que levam os madeirenses a praticamente 46 anos terem escolhido quase sempre os social-democratas aos socialistas.

O artigo começa a recordar o início do PS-Madeira em Setembro de 1974 e vai até às perspectivas para o ano eleitoral que deverá ocorrer precisamente em Setembro deste ano (mas também pode ser no início de Outubro).

Já viu na Madeira um partido cuja sede é um prédio ocupado? A sepultura deles começou a cavar-se desde o início. Alberto João Jardim a recordar a ocupação de um edifício de um banco, em Março de 1975,  por militantes socialistas, que seria a primeira sede do partido
O PS [nos primeiros anos] não tinha autonomia nenhuma, tal como o PSD não tinha. Só que o PSD usurpou a autonomia ao PSD nacional e o PS não o fez: manteve estatutariamente a agenda do partido a nível nacional. Mota Torres, histórico líder socialista (1993/1996 e 1997/2001)
O PS ignorou, melhor, não revelou a importância da bandeira da autonomia, naquele momento, e preocupou-se muito mais com outra bandeira que era a bandeira que o PS nacional tinha no seu ADN, que era a bandeira social, a do crescimento económico, a da melhoria das condições de vida das pessoas, etc. Mota Torres
Com a ajuda do bispo [Francisco Santana], numa sociedade conservadora como esta, com a Igreja do lado do PSD, este discurso da autonomia foi muito eficaz, que as pessoas sentiram. (...) O PS tinha dificuldade em interpretar a autonomia como sendo uma coisa decisiva e importante. Só com o tempo é que isso vem a ter importância. Repare que só no início da década de 80 é que o PS hasteou a bandeira pela primeira vez, na sua sede, a bandeira da Madeira. Mas ainda sob protesto de militantes que diziam que era a bandeira da FLAMA.  Mota Torres
Enquanto o dr. Mário Soares, em Lisboa, lutava contra o gonçalvismo [período de forte agitação política pós-25 de Abril de 1974] e lutava pela democracia, o PS aqui fazia manifestações com o PCP e a UDP. Está a ver o que é isto na Madeira, com o que era o ambiente extremamente conservador? Alberto João Jardim
(...) à boa maneira madeirense, em 1922, havia um movimento autonomista e os gajos brigaram uns com os outros. (...). É muito difícil aqui o associativismo e o gregarismo. É a maneira de ser do madeirense. Alberto João Jardim
(...) o PS faz só esta graça [em 1975]: passou, numa terra que tinha motivações autonomistas e ambições autonomistas, passou a ser contra a autonomia porque era uma maneira de ser contra o PSD. Agora repare como é que se pode ter sucesso numa terra cujo discurso principal , pelo menos até eu sair do governo, sublinhe-se, era o discurso da autonomia, primeiro a autonomia e depois o resto, o desenvolvimento? Como é que numa terra que luta pela autonomia, o principal partido da oposição, é contra a autonomia?  Alberto João Jardim
Na origem, o PS não soube interpretar esse sentimento de autonomia. O PSD soube melhor que ninguém, nomeadamente Alberto João Jardim, aproveitar esse estado de alma para alimentar esse contencioso com a República e gerar a figura do inimigo externo. Jacinto Serrão, ex-líder socialista (2002/2007 e 2010/2012) 
Esse sentimento de revolta em relação ao continente foi criado porque a Madeira era praticamente uma colónia de Portugal, tratada como uma colónia. Houve revoltas históricas [como a Revolta da Farinha e a Revolta da Madeira] contra a política do império. Isso ficou culturalmente enraizado.   Jacinto Serrão
Nós aqui não tivemos uma transição da ditadura para a democracia como no continente, porque muitos dos que assumiram o poder regional eram filhos e netos da ditadura. Não foram os combatentes da liberdade e isso faz toda a diferença. Victor Freitas, ex-líder socialista (2012/2015)
Há um ponto principal: a dificuldade em atrair pessoas, porque não se queriam comprometer, havia medos. A Igreja que teve, de facto, um papel muito relevante na instalação do poder do PSD. O poder da Igreja sentia-se e era forte. Carlos Pereira, ex-líder socialista (2015/2018)
A política na região, o modo de funcionamento democrático, está contaminado desde o início, Repare que os madeirenses e os portosantenses vivem numa sociedade aprisionada. A gestão da governação faz-se pelo medo (...) e com um governo que é autoritário e populista. Dois factores que hoje em dia acontecem, que limitam a democracia e encolhem a cidadania. Nós vivemos uma sociedade sob vigilância e isto condiciona a própria liberdade das pessoas na suas opções políticas. Paulo Cafôfo, secretário de Estado das Comunidades e ex-líder socialista (2020/2022) 
Em primeiro lugar, as pessoas nunca conheceram nada de diferente. E foram habituadas a viver na dependência da Administração Pública, da construção civil e do turismo. E o ser mau também se pode explicar por ainda sermos uma terra de imigração: a Madeira nos últimos 10 anos perdeu 17 mil pessoas. (...) um contra-senso, a supostamente região desenvolvida e com oportunidades continua uma terra de imigração como nas décadas de 60 e 70. Sérgio Gonçalves, actual líder do PS, justifica porque continuam os madeirenses a votar no PSD 
Sabe qual era o outro problema deles [os do PS] para além desses do início? O PS foi, até há pouco tempo, porque com este líder é capaz de ser um pouco diferente - o homem não precisa da política para viver, não é desses snobs burgueses -, o PS foi até a este líder um poço onde chocavam os radicais que tinham vergonha de ser comunistas, e que talvez fossem comunistas se o PCP tivesse triunfado no 25 de Novembro [de 1975]. Do outro lado, está a uma forte burguesia que está rica à custa das condições de desenvolvimento que o PSD criou, mas que é socialista porque é fino , porque é snob. Em certos meios burgueses da Madeira é snob ser-se contra o PSD, mas eles vivem melhor do que eu e melhor do que todos. (...). Agora com este líder, pode ser que seja diferente. Alberto João Jardim 
E é engraçado que eles faziam melhores resultados em eleições nacionais porque , de certo modo, somos o país. Eu não sou separatista, sou pelo direito à diferença dentro da unidade nacional, mas deixe-me dizer-lhe isto: esta vergonha que se fez agora de projectos de revisão constitucional, a começar pelo próprio PSD... Quero que diga que eu disse que o projecto do PSD é uma vergonha e um insulto à história do PSD das regiões autónomas. Alberto João Jardim
O mais espantoso é que temos direitos autonómicos que o governo regional não usa, não usa o que temos e que podia melhorar a vida dos madeirenses. Exemplos do PSD. Não os encontra. Falar de autonomia é falar disto. Agora andam com a conversa da revisão constitucional para que haja mais autonomia. Só lhe digo: a autonomia discute-se e decide-se aqui na Madeira com os madeirenses. O que fez o PSD? Foi para Lisboa com as suas propostas sem querer saber do que pensam os madeirenses. Sérgio Gonçalves
O PS nacional não percebe nada de autonomias. O PS nacional tem uma dificuldade enorme em compreender que a sua intromissão nas opções internas de um partido na Madeira normalmente dão mau resultado. Às vezes, nos momentos certos, é preciso fazer um chega para lá naquilo que são as intromissões do PS nacional, que admito que seja boa vontade, boas intenções, mas não percebem. Carlos Pereira
Isto sim é que é ser autonomista. O PS não aceita que este processo seja feito em Lisboa, porque é isso que está a acontecer com as propostas do PSD. As propostas de um partido não são as de uma região, não são as propostas dos madeirenses. Carlos Pereira
Não! Repare, nós ganhamos e perdemos eleições nas autárquicas. E os funcionários públicos são os mesmos. E carros a levar pessoas? Isso sempre aconteceu e acontece em todo o lado. Em Porto Moniz [autarquia socialista], por exemplo, pagaram-se viagens de avião e alugaram-se charters para trazer pessoas do Reino Unido [para votar no PS]. É pior trazer um charter do que pôr uma carrinha da Casa do Povo a ajudar as pessoas mais velhas para irem votar. Mas isso acontece em todo o lado. (...) Não acho que isso condicione as pessoas. Pedro Calado, presidente da CMF e ex-vice-presidente do GR, refutando que a população depende do PSD 
As suspeitas levantadas são uma tentativa de desestabilização do PS. Pior do que isso assisti eu aqui nas autárquicas. E estou completamente à vontade. Não tenho qualquer questão. Nas últimas autárquicas assisti a pessoas do PS a pagarem para pessoas delinquentes e drogados irem votar à boca das urnas no PS. Em dinheiro e fazendo ofertas para irem lá fazer os votos. Não fizemos queixa porque ganhámos as eleições com maioria. Não tínhamos de fazer queixa.  Pedro Calado
[Recuso que] haja dependências e medos criados. Basta ver que eles ganharam por duas vezes a Câmara do Funchal. Se não houvesse liberdade de escolha não tinha acontecido. Isso [a acusação de dependências] não é verdade porque nós já perdemos sete câmaras. Depois recuperamos, porque a experiência de governação do PS foi péssima. Miguel Albuquerque, actual líder social-democrata e presidente do Governo Regional  
E é melhor que eles deixem de passar atestados de menoridade às pessoas. As pessoas votam onde quiserem. Infelizmente ainda têm o Machico que é o concelho mais atrasado da Madeira. Miguel Albuquerque
Em 2019 tivemos a coisa mais atípica que pode existir num partido - um tipo que aceita ser presidente do partido, o Emanuel Câmara, mas não quer ser o candidato a presidente do governo. E o outro, o Paulo Cafôfo, sai da câmara para ser candidato a presidente do governo regional. Ora, isto desfez as expectativas das pessoas e dividiu o PS fortemente.  Carlos Pereira
A abertura da sociedade madeirense que existe desde 2013 tem levado a que mais pessoas estejam disponíveis para a mudança, há um espírito crítico, uma diferente maioria social; o PS teve, ao longo da sua história, muitas pessoas capazes, mas que enfrentaram um sistema instalado que condicionava, impedia que mais pessoas quisessem participar no projecto; agora? Não tenho dúvidas  de que temos a capacidade e a força para ser governo. Tudo isto é o resultado de um processo de crescimento que exigiu, e exige, coragem e trabalho. Sérgio Gonçalves