A estética pirotécnica
De fogo falam com propriedade os que se viciaram no cheiro a pólvora. O resto são especialistas em palpites
Boa noite!
Na terra de especialistas em quase tudo, surgiram as habituais críticas ao fogo de ano novo, que este ano foi claramente prejudicado por uma conjugação de factores, entre os quais, o mais evidente, o “tecto de nuvens muito baixo que impediu o fumo de subir”. Em rigor, esta foi a alegação de quem sabe do assunto, de quem tinha como missão cumprir o caderno de encargos e de quem soltou os foguetes à hora marcada, disparos que não geraram unanimidade, mas que mesmo assim arrancaram elogios de governantes, de turistas e de quem, antevendo o pior, trocou a comodidade do terraço nas zonas altas pela baixa popular.
Nem todos os residentes gostaram, o que é legítimo e natural. Estranho é muitos assumirem que não viram nada, enquanto exibem doutas habilitações superiores, convertidas em palpites, sobre o que não presenciaram.
Se tudo correu conforme planeado, como garante o promotor de espectáculo pirotécnico, porque não se queixam das condições atmosféricas os lesados do fogo? Porque não ligaram para quem manda a exigir que, face à adversidade manifesta, o fogo fosse adiado para data oportuna, o que aliás não seria inédito? Se o dinheiro gasto no bilhete foi mal empregue porque não o pedem de volta, mesmo que tal procedimento não seja habitual noutros domínios, como nos jogos de futebol – aliás, nos últimos tempos, na Madeira, são muitos os que compram lugares na esperança de ver a equipa da casa brilhar e deixam o estádio com um brilhozinho nos olhos -?
Se o problema tem a ver com outras componentes técnicas e químicas é contratar de imediato alguém capaz de produzir fogo sem fumo. Mas esta não é matéria para aprendizes. Quem sabe e muito de pirotecnia, quem sempre conviveu com cheiro a pólvora e um dia cantou em coro “Nós somos queremos ver o DIÁRIO a arder”, após lançamento de very-light contra as nossas instalações, armadilhou a bomba. “O fogo foi mau, não por “fumo” e “nevoeiro”, sucede” – e desta forma lá se vai a tese dos contestatários!, “mas pela sua má qualidade estética”. Estética é com Alberto João Jardim, como toda a gente sabe. Basta recordar a sua esplendorosa colecção de gravatas e as inusitadas poses no areal ou então a arte plasmada na marina do Lugar de Baixo, os 50 milhões que espatifou no enxoval de uma das noivas caras, o Jornal da Madeira, em cujo sucedâneo escreve como recompensa, a dívida colossal que ainda nos custa uma pipa de massa e a copiosa derrota autárquica, quando o PSD-M perdeu 7 Câmaras.
Para o esteticista Jardim, o problema do fogo não foi o fumo, nem as nuvens. Foi mesmo a vista turva, porventura a mesma que o rasteirou outrora no Chão da Lagoa. Mas não contente com o primeiro rebentamento, ainda considerou que a concentração de fogo na Avenida do Mar “é discutível”. Deve querer ter voz activa numa comissão eventual para a reprogramação dos postos de fogo já que exige “melhor distribuição, diversidade e mais espetacularidade, não o monótono deste ano”. A ser verdade os números avançados na RTP-M, com a Câmara do Funchal a estimar que tenham passado pela baixa da cidade mais de 200 mil pessoas!!!, Jardim parou no tempo ou afastou-se de terra, tal como os mais desprevenidos, os que não se deram à maçada de arranjar alternativa aos lugares habituais e os que acham que tudo continua igual na forma de conceber o prometido espectáculo.
Importa que alguém diga ao antigo presidente e especialista em fogo de estalo que muita coisa mudou, que agora há milhares na frente-mar, que há cada vez mais pessoas tentadas a sair de casa, a celebrar o fim-de-ano na baixa e a sentir o fogo de perto, que há mais pontos de animação, também eles a requerer uma reformulação logística em termos de salubridade e de pontos de venda de comes e bebes, e que face a tamanha multidão o posicionamento dos postos tende a ser constantemente alterado. O que é curioso é que o elevado investimento feito anualmente pelo Governo Regional no espectáculo de ano novo não tenha sido acautelado, em devido tempo, através de medidas que garantissem a instalação permanente das estações de lançamento do fogo, com mais segurança, mais bem preparadas e com zonas logísticas a condizer. Por isso é que alguns petardos rebentam nas mãos daqueles que tentam atirá-los para os alegadamente próximos mas que querem ver bem longe.