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Há na vida uma magia criativa

Afinal a vida é como um filme que roda através de várias cenas, gravadas em diferentes momentos

A passagem do nosso tempo, e a forma como nele nos movemos, tem tanto de surpreendente como de estranho. Olhando para trás, há momentos que ficaram fixados como se o tempo não existisse, outros desvanecem e quando os tentamos recordar parece que não nos pertencem. O tempo tem várias faces e conexões.

Na verdade, na mesma existência, na mesma pessoa coexistem várias vidas. As necessidades, entendimento e leitura de vida não são as mesmas. Há uma adaptação constante, num corpo em metamorfose, que exige naturalmente a aceitação de perdas e lutos irreversíveis.

Por mais mágico e surpreendente que seja o ato de crescer, a exigência constante de readaptação é um fenómeno grandioso e enigmático. Onde se guardam as memórias que um dia tanto nos marcaram, pela positiva ou pela negativa? O que se faz à história que queremos tanto guardar ou desesperadamente esquecer?

Afinal somos partes de nós em constante mutação e desenvolvimento, num percurso que nem sempre depende da nossa vontade e decisão. O tempo passa e nós somos outros. Às vezes o corpo chega primeiro, outras vezes chegamos antes do corpo nos acompanhar.

Sim, estamos muitas vezes em equilíbrio, focados no espelho que nos devolve o tempo real. Reconhecemos a nossa existência, assumindo a essência e a continuidade. Há sempre uma história, contada por diferentes sentidos, que nos acompanham nas nossas diferentes memórias. O cheiro, o sabor, o toque, o ruído, a voz, a imagem. São perceções de descoberta e relação com o mundo que, pelo seu valor e significado, ficam gravadas na memória eterna em jeito de tatuagem. Talvez aqui resida a diferença do que fica para sempre e do que se vai perdendo com o tempo.

É também estranho relembrar factos de há muito tempo, que parecem ter acontecido ontem, e outros, que aconteceram ontem, e que parecem estar bem longe das nossas recordações. Há como uma seleção induzida para manter perto o queremos, ou precisamos para nossa proteção.

Afinal a vida é como um filme que roda através de várias cenas, gravadas em diferentes momentos, que quando ligadas criam uma expressão conjunta, uma ideia passada para a tela. Então a vida também pode ser uma ideia, a nossa ideia, que vai sendo passo a passo conduzida por nós em várias cenas, registadas em diversos momentos, numa produção alargada no tempo. Ninguém consegue transcrever com verdade a vida de outro, nem o próprio consegue transcrever a sua vida com exatidão. Há sempre uma interpretação e um reajuste entre as cenas vividas e as cenas pensadas. Há na vida uma magia criativa.

A nossa marca ou pegada ficará na história daqueles que connosco fazem caminho, através da sua interpretação do nosso significado. O valor de tudo está de facto na força do significado, o tempo é apenas tempo.