Não há pior que o Recruta Zero
A tropa está pela hora da morte. Não porque as Forças Armadas estejam a atravessar um mau momento, mas porque se anda a nivelar por baixo a qualidade dos recrutas e o Recruta Zero, famoso calaceiro dos desenhos animados, passou a ser um exemplar soldado. Quando digo tropa estou a falar dos três ramos: Marinha, Exército e Força Aérea, que infelizmente andam a deixar, por força das necessidades, entrar cão e gato nas suas fileiras.
Há dias, alguém me confidenciava que com mais de 30 anos de tropa, nunca tinha visto um levantamento de rancho. Militares revoltados no refeitório. E, na verdade, quando comecei a escrever sobre Defesa em 1993, ouvi falar de um caso ou dois que se tinham passado em épocas quentes e distantes.
O fim do Serviço Militar Obrigatório veio trazer ao de cima o trigo e o joio, mas não é fácil separá-los. Aqueles que não têm lugar em muitos setores da sociedade vão bater à tropa, porque não se encaixam em mais nenhum lugar e a tropa, com falta de recursos humanos, acolhe-os porque não encontra quem faça as tarefas diárias. Não se compreende como é que de cinquenta candidatos, entram quase 51 e não se compreende que os testes psicotécnicos os considerem a todos aptos. Nem um candidato com problemas é uma pontaria dos diabos. Depois é o que se vê. Estruturas superiores que não passam cartão à arraia miúda, generais contrariados nos cargos que tratam de forma inqualificável os praças e os cabos, armados em Sargento Tainha, que fazia a vida negra ao pobre do Recruta Zero e levantamentos de rancho por trabalho a mais sem compensações. As prometidas projeções ao estrangeiro, que provavelmente foram feitas durante o engajamento, passam a ser serviço à porta de armas três vezes por semana. Das duas uma: ou os psicólogos das Forças Armadas andaram a ler livros de pernas para o ar, ou as lideranças têm de mudar. Nivelar por baixo é mau, mas pior é não saber nivelar por cima.
Mas nem tudo é má tropa. Ainda que faltem cerca de sete mil militares aos três ramos das Forças Armadas, temos de saber separar o tal trigo do joio. Por enquanto, o trigo são os militares da GNR e da PSP, que para as mesmas funções ganham mais 400 euros do que os militares das Forças Armadas. Por enquanto, o trigo trabalha 36 horas por semana e o joio, 50. Não é para todos. E se pensarmos bem, as unidades militares não ficam à porta de casa, muitos desses homens e mulheres têm de mudar de cidade para trabalhar e pagam alojamentos. Alguns generais esquecem-se disso, ou fingem esquecer, porque destratam quem está cá em baixo, quando os vêem, porque muitas vezes ignoram-nos pela arrogância com que se movem. A tropa está a marchar com passo errado e os erros pagam-se caro. Nem que seja a longo prazo.