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O Português como língua de herança

Para cumprir a promoção da língua portuguesa neste conceito, é grande o desafio de organização da oferta do ensino do Português nas nossas comunidades

O início de um novo ano letivo é sempre um momento empolgante para os alunos, pelo reencontro com os amigos, pelos desafios que se perspectivam e pelas descobertas que se adivinham. Se isso é assim para a generalidade dos jovens e crianças, imagine-se o que será para os filhos dos portugueses que residem no estrangeiro e a alegria que encontram em aprender a língua dos seus pais e avós. Na verdade, é muito mais do que aprender uma língua, é manter uma ligação umbilical com o país. Por essa razão, promover a língua portuguesa fora de Portugal através do seu ensino, constitui uma estratégia fundamental do governo para gerar valor para o país e para as pessoas. Ensinar português é, portanto, também uma forma de promover Portugal, os portugueses, a sua história, a sua cultura, mas também a sua presença no mundo contemporâneo e o contributo que dão em tantas áreas da sua intervenção, dentro e fora de Portugal.

A prioridade para o governo nas políticas públicas em matéria de promoção da língua é a comunidade portuguesa. Essa prioridade é executada pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. Este instituto público é responsável pela coordenação e articulação da política externa do governo nas áreas da cooperação internacional e da promoção da língua e cultura portuguesas.

A estratégia que tem sido seguida, coloca o aluno no centro do sistema e é o seu perfil que determina as abordagens. Para os portugueses e lusodescendentes de várias gerações a residir no estrangeiro, uma abordagem de ensino do português como “língua materna”, generalizando sem atender ao perfil sócio-linguístico das nossas comunidades, não seria o mais correto nem o mais desejável.

O conceito de língua de herança, é hoje entendido entre a comunidade científica como aquele que melhor atende ao perfil linguístico heterogéneo de crianças e jovens em situação semelhante à da maioria das nossas comunidades. Não pode ser confundido com língua materna. O conceito remete, antes, para contextos diferenciados de aquisição de línguas, como os contextos familiar e o social (sobretudo a escola), procurando-se valorizar os repertórios da língua de herança (língua minoritária) no repertório plural, heterogéneo e dinâmico das crianças e jovens, em que aprendem a língua maioritária (social e de escolarização) e outras línguas estrangeiras presentes no currículo escolar.

Para cumprir a promoção da língua portuguesa neste conceito, é grande o desafio de organização da oferta do ensino do Português nas nossas comunidades. Valorizamos um ensino de proximidade, por ser aquele que se desenvolve junto das comunidades e que não só envolve as crianças e jovens que aprendem português, mas a comunidade educativa que se forma em torno do ensino do Português. As famílias, as associações, as organizações comunitárias, as direções das escolas e os professores. O chamado ensino paralelo cumpre esta função de oferecer a língua e a cultura portuguesas num contexto de proximidade e no objetivo de, com o apoio e o envolvimento da comunidade educativa, apoiar o desenvolvimento de uma cidadania também portuguesa, por parte de jovens que têm uma ligação que se quer ativa com Portugal.

Para além da oferta do ensino paralelo, há igualmente um investimento no que se designa por ensino integrado, colocando a língua portuguesa como um saber e um conhecimento que é valorizado pelo currículo. Isso constitui também uma forma de valorizar localmente as nossas comunidades e de colocar os nossos jovens na posse de um conhecimento – a língua portuguesa - que se pode transformar em vantagem no seu percurso escolar.

Com a pandemia apurou-se o potencial de, no ensino, se explorarem outras formas de criar aprendizagens com recurso a meios digitais. A digitalização do Ensino Português no Estrangeiro, utilizando plataformas e conteúdos digitais para reforço da aquisição da língua em sistema de auto-aprendizagem ou de forma complementar ao ensino presencial, constitui um projeto central no que respeita ao futuro próximo do ensino do Português. Um investimento significativo no âmbito do PRR, que, iniciando-se em 2022, deverá ter em 2023 o seu desenvolvimento pleno.

O ensino do Português procura, de todas estas formas, cumprir um direito das comunidades, valorizando-as simultaneamente, mas também, de reforçar a possibilidade das novas gerações de lusodescendentes exercerem desta maneira a cidadania portuguesa.