O regresso a São Tomé
Escrevo-vos acabado de chegar a África, mais propriamente a São Tomé. Quem me conhece sabe que é uma das paixões da minha vida. Não há duas viagens iguais nem há sentimentos paralelos, parece que a cada momento quem nos rodeia é quem faz sentido estar aqui, por isso dá sempre a sensação de cada momento ser melhor do que o outro simplesmente porque se vive o momento com muita intensidade. Países como São Tomé & Príncipe fazem parte do meu processo de regeneração continua, aqui aprendo e me aprofundo, aqui me limpo e reconstruo. Às vezes ser feliz parece um movimento tão complexo e outras tão simples e natural. É precisamente isso que sinto cada vez que regresso. Esta terra tem esse condão, de nos ensinar a viver os momentos, de nos surpreender em cada rua, cada vegetação, arte ou paisagem, em cada pessoa que se cruza connosco e nos marca. Dos que nos acompanham e são nossos, dos que aparecem por casualidade ou dos que nos servem de guias para o que procuramos. É o cheiro da terra, do café e do cacau, da imponente natureza ou da azáfama aparentemente mais mundana. Fascina-nos e e projeta-nos para um filme em que nos sentimos protagonistas principais, sempre com um novo enredo, sempre com uma nova história mas com a magia tribal que lhes está no sangue e que ainda sobrevive nas profundezas dos locais.
É por isso naturalmente para mim, sempre especial este regresso, carregado de sentimentos, de aventuras e de novas peripécias. Estamos cá há um dia e parece que já passou um mês de tanto que temos para contar. Apetece agarrar em cada fotografia e colar-lhes mil e um significados, fica difícil escolher uma pela outra ou qual nos diz mais. É impactante no espírito que nos envolve mas também na força visual em cada passo, onde nos parece fugir o controle da situação e que nos traz aquela adrenalina boa. Talvez por isso também seja tão fã da personagem de banda desenhada “Corto Maltese”, porque em cada “porto” por onde passamos, em cada local que visitamos fica um retrato emocional difícil de passar para palavras. Quem por cá passa, sabe do que falo. É misterioso e profundo, é desafiante e ao mesmo tempo espiritualmente pacífico, o que nos rasga o sorriso e que nos faz superar o cansaço que as estradas de acesso difícil ou as horas de avião nos possam trazer. Hoje não foi diferente, chegámos por volta das 05:30 da manhã num voo direto da STP Airways (que continua a trazer o mundo a alguns países de língua portuguesa com muita qualidade, não fazendo deles segundas escolhas) e não mais parámos até há hora a que vos escrevo, 19:00 horas locais, hora já tardia para o diretor deste jornal receber a minha crónica mas que não podia ser de outra forma para que o sumo de tudo o que hoje vimos se traduzisse nestas linhas.
Visitámos a fábrica de Cacau Diogo Vaz, onde fomos recebidos com uma degustação de chocolates locais seguida de uma visita guiada à produção e transformação dos produtos 100% biológicos. Embalagens cheias de bom gosto e simplicidade, numa amostra perfeita de que o sabor e o simples podem andar de mãos dadas com a sofisticação mesmo que aparentemente não siga os padrões a que estamos habituados. Aqui dá-se valor à qualidade. Seguimos para a fábrica de óleo de côco Valúdo onde nos esperava um simpático e jovem casal, que decidiu arriscar tudo e montar uma produção que começou em 2017 e já conta com mais de 85 empregados. Produtos de cosmética ou alimentares, tudo feito com amor, sente-se nos olhos de quem nos conta o processo até aos dias de hoje. Duas horas depois e estávamos na cascata Bombaim, depois de um caminho sinuoso e lento mas que valeu por tudo a pena. No meio de uma floresta densa e de uma vegetação rica e diversa, uma cascata esconde-se por entre pedras e uma corrente. Um desafio a que nos propusemos, sem esconder uma boa dose de risco mas que nos colocou perante um autêntico paraíso que nem a melhor das fotografias no mais perfeito dos ângulos poderá sequer explicar. Cansados mas a cada momento mais felizes fomos almoçar à Casa Fundação Almada Negreiros, onde nasceu um dos mais fascinantes artistas portugueses. Um almoço degustação “desenhado” por jovens autodidatas da terra que nos levou por sabores até hoje nunca saboreados, num espaço idílico, com uma paisagem digna de um filme.
Regressámos ao hotel depois de uma longa explicação sobre projectos artísticos e culturais locais, por entre plantações que nos fizeram despertar os sentidos. Estamos só no primeiro dia e já com tanto por contar. A verdade chega-nos em algumas frases plasmada na parede da Casa Fundação do dito escritor. “A alegria é a coisa mais séria da vida. O mundo não é ruim, só está mal frequentado. Isto de ser moderno é como ser elegante, não é uma maneira de vestir mas uma maneira de ser. Ser moderno não é fazer a caligrafia moderna, é ser o legitimo descobridor da novidade”. Obrigado ao Ministério do Turismo de São Tomé pelo apoio que sempre nos transmite e por nos ajudar a encontrar o melhor programa. Obrigado a quem me acompanha em mais uma aventura, sou mais feliz com eles aqui por perto. Estamos rodeados de coisas boas e bonitas. Isso vê-se nos nossos olhos.