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Encontrar ministros 'aceitáveis' pelo PR será desafio para Meloni

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O Presidente italiano tem um histórico de recusar nomes para cargos ministeriais e Giorgia Meloni, que deverá ser convidada a formar governo, poderá ter dificuldades em encontrar titulares que passem esse crivo, segundo analistas ouvidos pela Lusa.

Vencedor das eleições de domingo à frente de uma coligação de direita e extrema-direita que poderá ter a maioria dos lugares parlamentares, o partido Irmãos de Itália "cresceu, mas a classe dominante permaneceu a mesma do que quando pesava 1%" dos votos, disse à Lusa Francesco Costa, diretor do site de notícias Il Post e especialista em política internacional.

"É uma liderança idosa e tenho certeza que Meloni vai procurar técnicos da área, professores universitários, para tentar construir as bases para governar", adiantou.

Ligada a partidos da direita radical europeia como o espanhol Vox, a formação de Meloni tornou-se, após as eleições de domingo, o primeiro partido italiano, com cerca de 26% dos votos e dispondo de uma maioria para formar Governo, juntamente com os aliados Liga (extrema-direita) e Força Itália (direita).

De acordo com a constituição italiana, é o Presidente da República que, depois de ouvir os partidos, indigita o primeiro-ministro e os ministros.

Em 2018, quando a Liga - de Matteo Salvini, parceiro de Meloni na atual aliança - e o Movimento 5 Estrelas formavam governo e propuseram a Sergio Mattarella, atual presidente, Paolo Savona para Ministro da Economia, este foi considerado "muito anti-europeu" e rejeitado.

"Mattarella não vai aceitar qualquer pessoa, só vai ter em consideração nomes que possam dar garantias à Europa", disse à Lusa Claudia Fusani, jornalista política do Riformista, um jornal de centro-esquerda.

Quando se apresentou pela primeira vez nas eleições de 2013, o partido de Meloni teve 2% dos votos, crescendo continuamente desde então, até 6,4% em 2019 e superando depois os 20 por cento, no mesmo período em que a Liga, com quem disputa o eleitorado radical de direita, passou de 17% para 9%.

Guido Crosetto, membro fundador do Irmãos de Itália e geralmente considerado elemento de uma ala menos radical do partido, declarou recentemente num programa televisivo que não teria problemas se, pelo menos nas primeiras semanas, Meloni trabalhasse com o presidente Mario Draghi.

"A lei orçamental deve ser enviada a Bruxelas em 16 de outubro, e o novo governo vai ter só um dia para elaborá-la. Por isso, acredito que devemos trabalhar num diálogo entre o antigo governo e os novos eleitos, juntos", disse Crosetto.

Claudia Fusani considera que estas declarações são "uma indicação do facto de que dentro dos Irmãos da Itália há uma parte que encarna uma direita moderna e outra que olha para o passado".

"Giorgia Meloni também agradeceu [no seu discurso de vitória] aos falecidos, 'às pessoas que já não estão aqui' e que 'gostariam de ver este dia' e não se pode deixar de pensar que essas palavras foram para os líderes dos partidos dos quais o Irmãos de Itália nasceu e que se inspiraram no pós-fascismo", adiantou Fusani.

"O facto de os primeiros líderes que saudaram Giorgia Meloni terem sido [o primeiro-ministro húngaro, Viktor] Orban e [a líder da Frente Nacional francesa, Marine] Le Pen diz muito sobre o que nos espera", diz Fusani.

Segundo Costa, este é um "período delicado em que a Itália não pode dar-se ao luxo de romper com a França e a Alemanha", mas existe um risco de o próximo governo italiano derivar para rumos mais radicais.

"Com base no que sabemos de Giorgia Meloni, devemos esperar um governo muito mais próximo de Orban e Le Pen, mas na campanha eleitoral vimos no PNR [plano de reformas aprovado por Bruxelas], na Ucrânia, na responsabilidade, a sua vontade de apresentar uma direção mais moderada do que a história do seu partido", adiantou Costa.

Do lado oposto, o resultado da coligação de centro-esquerda liderada pelo Partido Democratico - apenas 19% dos votos, cerca de metade de Meloni e aliados - revela a incapacidade do seu candidato, Enrico Letta, apelar ao voto anti-direita.

O Movimento 5 Estrelas (M5S) teve cerca de 15%, depois de ter sido o único a defender a manutenção do "rendimento de cidadania", segundo sublinhou Costa.

"Todas as partes prometeram rever, modificar, cancelar [o rendimento mínimo]. O único partido que no programa teve a intenção de deixá-lo como estava foi o Movimento 5 Estrelas que ganhou muito no sul, demonstrando como essa medida é considerada fundamental por grande parte da população", apontou o analista.

A Campania (a região de Nápoles) é o território italiano onde há mais pessoas que recebem este rendimento (850 mil pessoas de um total de 5,5 milhões de habitantes, segundo dados oficiais), e aqui nalguns círculos eleitorais o M5S chegou a ter 40% dos votos, "uma indicação clara do quanto a questão do rendimento pesou principalmente entre as camadas mais pobres", adiantou Costa.