Virar o bico ao prego (1)
o Governo da República está a roubar aos docentes mais de 6 anos, dos 9 anos, 4 meses e 2 dias em que estiveram congelados
(Toda a verdade sobre a recuperação do tempo de serviço)
Recentemente, o Ministro da Educação, João Costa, justificou a disparidade na recuperação do tempo de serviço dos docentes do continente e os das regiões autónomas com o facto de os salários nestas últimas serem pagos pelos orçamentos regionais, mas as aposentações serem suportados pelo orçamento de Estado. Na sua distópica argumentação sobre a matéria, este ilustre linguista deu um dos melhores exemplos do que o povo define como a arte de virar o bico ao prego, ou seja, interpretou os factos não de forma objetiva e isenta, mas, exclusivamente, na perspetiva dos interesses do Governo. Foi um momento transcendente, no qual, o lobo mau, mestre na arte de bem falar, explicou ao Capuchinho Vermelho, com palavras melífluas próprias do mais doce dos cordeiros, a sua verdade camuflada: “Se eu pudesse dizer assim ‘muito bem os professores que estão aqui no continente, mas quando se aposentarem, outro paga’, se calhar também tinha condições para recuperar integralmente o tempo de serviço.” E, a rematar, uma pérola linguística prenhe de recursos estilísticos, à maneira de um linguista de escol: Temos de ter seriedade também na forma como analisamos estas questões.
Ora, então, Sr. Ministro, vamos lá aceitar o desafio de V. Ex.ª e ser sérios “na forma como analisamos” esta questão.
Por onde quer que comecemos, pela situação da recuperação do tempo de serviço dos professores do continente ou dos da Região Autónoma da Madeira? (Deixo a situação dos Açores para os colegas de lá). Como parece sentir-se desconfortável com a realidade insular, vamos começar pelo terreno em que se sente mais à vontade. Vamos, diríamos em termos desportivos, jogar em sua casa.
O que é certo, objetivamente falando, é que o Governo da República está a roubar aos docentes mais de 6 anos, dos 9 anos, 4 meses e 2 dias em que estiveram congelados, não apenas no tempo da troika, como afirmou V. Ex.ª, mas entre finais de agosto de 2005 até ao termo de 2007, primeiro, e, depois, os 7 anos completos entre 2011 e 2017. Muito tempo, pois, Sr. Ministro. Não havia condições económicas, naqueles períodos, para fazer repercutir nas carreiras dos professores o tempo efetivamente trabalhado? Continua a não haver dinheiro para reparar este erro? Pois aí estão as consequências à vista de todos: apesar da crise demográfica – que, antes, servia para dizer que havia professores a mais – o vírus social da falta de professores propaga-se incontrolavelmente, enquanto o Sr. Ministro e o Governo vão colocando pensos rápidos nas feridas pustulentas deste mal que põe em causa a formação das gerações futuras.
Sr. Ministro, a cura está à vista de todos e na mão do Governo: aposte na vacina da dignificação da carreira docente, com a reparação imediata de todos os atropelos de que tem sido vítima. É cara? Tanto mais será, quanto mais tarde for aplicada!
(Continua).