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Ex-dirigente da Comissão de Verdade do Brasil avisa que contagem dos militares vai prejudicar instituição

Pedro Dalari (segundo a partir da direita) na entrega do relatório sobre os crimes da ditadura militar.   Foto DR/Twitter
Pedro Dalari (segundo a partir da direita) na entrega do relatório sobre os crimes da ditadura militar.   Foto DR/Twitter

O jurista Pedro Dalari, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade que investigou crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985) no Brasil, avisou que uma contagem paralela das eleições presidenciais pelos militares só os vai prejudicar na opinião pública.

"A imagem das Forças Armadas ficará péssima porque elas vão ficar desmoralizadas (...) O facto de elas atuarem em paralelo da Justiça Eleitoral, num sistema eleitoral que é reconhecido pela boa qualidade no mundo, que valoriza o sistema brasileiro [de voto eletrónico], é desmoralizante para as Forças Armadas", pontuou Dallari, que também é professor de Direito Internacional do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP).

Falando sobre a imagem internacional do Brasil, o jurista avaliou que a hipotética atuação fiscalizadora dos militares na eleição presidencial que ocorrerá em outubro próximo não mudará a avaliação externa do país, que já é muito negativa.

"A imagem do Brasil já está péssima há muito tempo", por "ter um Presidente como o Presidente Bolsonaro, que é, obviamente, uma figura desqualificada para a função e por não ter feito nada de mais eficaz para tirar o Presidente da República", disparou Dalari, que critica a "inação das elites e da sociedade".

Ainda não há clareza sobre como será a atuação dos militares no dia das eleições. Na página do Ministério da Defesa há informações sobre ações de apoio logístico, com o transporte de urnas eletrónicas, pessoas e materiais para centenas de municípios brasileiros e envio de agentes para mais de 500 municípios que pediram a presença deles para garantir a segurança. Estas tarefas já eram executadas em escrutínios anteriores.

No ano passado, as Forças Armadas brasileiras foram convidadas para participar de uma comissão de transparência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que reúne outros órgãos como universidades públicas, o Tribunal de Contas da União (TCU),a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os militares apresentaram ao TSE dentro desta comissão uma série de sugestões, algumas controversas, que acabaram parcialmente acatadas pela justiça eleitoral.

No entanto, o atual Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, passou os últimos meses insinuando falhas sem mostrar provas sobre alegada manipulação das eleições e envolveu os militares a quem classifica como seu "Exército" para apresentarem as suas alegações na comissão eleitoral.

Alguns meios de comunicação social dão como certo que os militares farão uma contagem paralela, recolhendo os dados dos boletins de cerca de 380 urnas eletrónicas para atender o pedido do Presidente brasileiro. Jornais locais têm divulgado informações sobre reuniões internas no Ministério da Defesa em que foram discutidos planos nesse sentido.

A menos de dez dias da votação o TCU, órgão que fiscaliza o Executivo brasileiro, informou que pretende fazer uma auditoria em 4.161 urnas eletrónicas das mais de 500 mil que estarão em operação no dia da votação numa parceria com o TSE, que poderá ser usada para contrapor à contagem paralela planeada pelos militares.

Segundo os media, a Secretaria de Controlo Externo do TCU enviou um ofício ao Ministério da Defesa pedindo detalhes e critérios sobre a decisão dos militares de selecionarem cerca de 400 urnas para fazer a contagem paralela no sistema do TSE com os boletins de urna.

Embora critique o facto de os militares atuarem fora do que determina a Constituição brasileira, ou seja, como fiscais independentes do órgão responsável pela organização e divulgação dos resultados de eleições que é o TSE, o jurista e antigo coordenador da Comissão da Verdade disse que não vê nisso um risco para a democracia.

"A sociedade brasileira tem muita solidez de convicções democráticas e embora o Presidente da República seja um defensor da ditadura, não vejo condições políticas de apoio no interior do Brasil e internacionalmente", frisou.

"O Brasil tem uma estrutura institucional muito ampla, muito complexa, que não possibilitaria essa tentação de um controlo autoritário. Isso está muito mais na retórica do presidente da República, que usa essa possibilidade como um fator de instabilidade, que ele imagina que favoreça a sua reeleição", acrescentou.

A eleição presidencial no Brasil tem a primeira volta marcada para 02 de outubro e a segunda, caso seja necessária, para 30.

Atualmente, 10 candidatos disputam as presidenciais brasileiras: Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro Gomes, Simone Tebet, Luís Felipe D'Ávila, Soraya Tronicke, Eymael, Leonardo Pericles, Sofia Manzano e Vera Lúcia.