Teoria das amizades na prática dos reencontros
A quem é dado o privilegio de viver durante um certo tempo a vida entrega-lhes diversas fases. Quando somos novos tudo parece durar para sempre, sem limites ou fronteiras. Existem poucas responsabilidades e muitas amizades. Queremos estar com todos ao mesmo tempo, conhecer mais e mais e ultrapassar todas as barreiras que nos são impostas. A generalidade das pessoas passa depois pela fase do trabalho e da constituição de família, onde as prioridades se alteram diametralmente. O tempo parece curto para tudo e o espaço para cultivar amizades diminui consideravelmente. Depois, dependendo do caminho de cada um, outras fases se sucedem, do divórcio e da construção de um novo começo, da perda de pessoas importantes, do desemprego ou do sucesso profissional, do que queremos para nós ou do que não sabemos que queremos e ainda do que só demasiado tarde damos valor. Entretanto pessoas vão ficando pelo caminho, umas porque não tinham que ficar, outras porque nos encontrámos em fases diferentes e ainda as que simplesmente seguiram por um lado e nós por outro e a distancia foi-se sobrepondo ao que sentimos uns pelos outros.
Há quem case ou comece a namorar e desapareça, há os que não abdicam dos amigos por nada e os que por conforto ou preguiça não fazem um esforço para regar as relações que lhes são importantes ou ainda os que não dão importância de todo às relações e se habituaram à frieza da solidão. Os que só dão valor a quem não lhes liga peva e os que estão sempre dispostos a dar sem estar à espera de receber. Os interesseiros “pisca-pisca”, que aparecem ou desaparecem conforme a situação, os que estão sempre ali para o que der e vier e os que ficamos anos sem nos ver mas quando os vemos parece que não passaram dois dias desde a última vez. Mesmo que isto soe a frase feita e não seja novidade para ninguém, são as fases mais difíceis na nossa vida que nos ensinam a selecionar. A escolher os que estão do nosso lado, os que ficam a meio caminho para não se comprometerem e os que nos deixam de forma descarada. Embora seja mais fácil dizer do que passar por isso, a realidade é que é nestas alturas que a nossa construção se torna mais importante. Porque o nosso caminho é feito de filtros, de escolhas, de cruzamentos e de decisões e não há como fugir delas. Vale sempre mais sofrer para perceber o que não é bom para nós do que vivermos numa mentira aparentemente mais confortável.
Quando falamos sobre nós, sobretudo em público estamos sempre mais próximos de ser julgados e recriminados mas eu penso sempre que é bem pior viver numa mentira, de mostrar só um lado da história em que tudo parece perfeito, quando nunca é. Eu sempre fiz reflexões muito próprias sobre as minhas amizades e sempre dei muito valor aos que estão ao meu lado. Dou-lhes tudo, exijo-lhes na mesma proporção. Acho a amizade uma coisa tão séria quanto bonita. Uma forma de amor muito mais intemporal do que as próprias relações amorosas. Na fase em que estou decidi refletir sobre quem me rodeia, o que significam, sobre os que ficaram para trás e que eu gostava, porque é que ficaram e porque é que gostava, ou gosto. Decidi então nestas ultimas semanas marcar almoços, jantares, cafés, com pessoas que me marcaram num determinado momento da minha vida e que sairam de uma forma natural. A pessoa que me acompanhou durante o curso e que me ia buscar todos os dias de manhã a casa para ir às aulas e que no fundo é responsável por não ter ficado para trás ou sucumbido à preguiça, as amigas que partilharam tantos momentos comigo e que tanto dançavam até de manhã em cima de mesas de uma discoteca ao som da “Ana Julia” como iam comigo ver opera ao Coliseu e que não vejo há 20 anos. A relação antiga que só deixou admiração e respeito mútuo, as pessoas que me ajudaram a abrir a primeira empresa e partilharam comigo tantos momentos, o amigo que me deu a mão quando me senti mais perdido, os amigos que cometeram comigo tantas loucuras que nem é bom contar mas que foram vividas na altura certa e deixaram saudades. Os que me fizeram ser o que sou e a quem também ajudei a moldar mas que foram viver para fora.
Talvez alguns já não façam qualquer sentido para mim ou eu para eles. Talvez já não tenhamos nada a ver uns com os outros. Ou então não. Simplesmente as vidas levaram-nos para outros caminhos e fomos deixando apagar a chama mesmo que nos gostemos. Ainda assim vale a pena tentar perceber o que ficou. Como estão, para onde foram e explicar-lhes que por mais que o tempo passe continuo a lembrar-me deles com carinho e recordar-lhes que o meu número é o mesmo e que por mais que o tempo passe, se um dia precisarem, estarei ali. Acredito que muitas vezes é importante pararmos para perceber onde estamos e com quem estamos. O que nos rodeia ou faz falta. O que é toxico ou positivo. O que nos acrescenta ou nos afunda. Mesmo que a vida não esteja para brincadeiras e sobre muito pouco tempo para grandes filosofias, conseguirmos perceber o nosso lugar e entendermos as intenções dos que nos são próximos é caminho andando para a nossa sanidade mental.
Nós não vivemos sozinhos, não conseguimos nada sem outros e mesmo que conquistemos alguma coisa, o sabor de uma conquista sem alguém genuinamente feliz por ti para partilhá-la é um sabor a nada. Os amigos não são só para os maus momentos mas é neles que a maioria das vezes aprendemos a selecioná-los. Depois o que fazemos com as suas atitudes é com cada um. Ou nos acobardamos ou seguimos em frente. Nem sempre um passo atrás ou para o lado é sinal de retrocesso. Muitas vezes é sinónimo de inteligência e de construção.