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Vem aí o Inverno: slots e viagens fantasma por decidir

Dois anos de pandemia estiveram na origem de profundas convulsões no sector da aviação. As principais companhias de bandeira foram alvo de ajudas de Estado, encetando processos difíceis de reestruturação - muitos ainda em curso - sendo que os valores de 2019 ainda não foram alcançados, excetuando a Ryanair.

Apesar de tudo, 2022 foi já um ano de recuperação. Uma boa parte das companhias já reembolsou os credores das ajudas de que foi alvo e encontra-se em fase de expansão - exceção feita à TAP, cujo processo de reestruturação ainda vai no início, sem fim à vista falando-se, inclusive de privatização como forma de salvar a empresa. A tal privatização que quando opção do PSD tão vilipendiada, é agora aclamada pelos Socialistas.

Dados da Eurocontrol revelam que, de 8 a 14 de setembro, o tráfego aéreo atingiu 87% dos valores de 2019, valor que em termos médios anuais se situa nos 82%. Números que revelam consistência, mas seremos ingénuos se acharmos que o caminho será livre de obstáculos. Este inverno está repleto de incertezas, seja devido à COVID-19, à possibilidade de novas variantes e novos surtos, seja devido à guerra na Ucrânia e à evolução dos preços das matérias primas, em especial dos combustíveis.

É perante todo este cenário de incerteza que vejo com algum ceticismo a vontade da Comissão Europeia em restabelecer a regra dos 80% na gestão das faixas horárias dos aeroportos europeus (slots). Recorde-se que, excecionalmente e para fazer face à quebra de tráfego aéreo na pandemia, a Comissão estabeleceu como limite os 64% - ainda em vigor -, ou seja, as companhias são obrigadas a operar, pelo menos, 64% dos voos de determinada faixa horária, sob pena de, caso não cumpram, perderem esse slot. Ora, os slots são um dos principais ativos das companhias aéreas que, uma vez perdidas para a concorrência, são difíceis de recuperar.

Enquanto legislador é preciso analisar a questão sob duas perspetivas: a dos aeroportos e passageiros e a das companhias aéreas. Assistimos, este Verão, a enormes constrangimentos de muitos aeroportos – em particular o de Lisboa -, com filas, atrasos sucessivos e voos cancelados. Dizem os gestores aeroportuários que o problema esteve na falta de recursos humanos nos períodos de pico. Apesar do tráfego estar a 82% dos valores de 2019, os horários mais concorridos e de pico estão mais sobrecarregados. Uma solução passará por operar mais slots e desanuviar os horários mais sobrecarregados, a par de mais investimento em recursos humanos. Já para o passageiro, mais voos aumentam o leque de escolhas, diminuindo constrangimentos e, possivelmente, os preços.

A perspetiva das companhias aéreas é diferente. Voltar à normalidade imposta dos 80% implica um enorme esforço de adaptação dos aeroportos e empresas, sobretudo ao nível de recursos humanos e na implementação de sistemas otimizados de manuseio de bagagens, mitigando, em parte, a falta de pessoas. Regressar ao sistema dos 80% pode resultar, caso a recuperação do tráfego aéreo não se verifique, em mais voos fantasma - uma aberração de voos vazios que servem apenas para as companhias manterem os seus slots.

As duas óticas são, a meu ver, válidas, e por isso o Parlamento tem uma importante decisão a tomar quando, em outubro, votarmos em plenário a proposta da Comissão para o inverno 2022/23. A solução estará algures num ponto intermédio entre a proposta (80%) e a situação atual (64%). Mas mais importante é a alteração do regulamento que estabeleceu as principais normas comuns a aplicar à atribuição de faixas horárias nos aeroportos comunitários, que data de 1993, já sofreu alterações em 2002, 2003 e 2004, e cuja revisão está em estudo desde 2011.

A Comissão está a trabalhar numa nova proposta de regulamento, que deverá ser entregue no Parlamento no quarto trimestre de 2023. Esperemos que todo este tempo seja sinónimo de um instrumento racional e sensível aos enormes desafios do sector aéreo ao nível da transição energética e a climática. Espero do Parlamento e Conselho celeridade na análise sem de delongas na luta por conceitos puramente ideológicos e irrealistas, que não aportam nenhuma mais-valia, seja ela ambiental ou financeira.