Cozinha africana deixou os subúrbios e está mais presente nas ementas portuguesas
As receitas africanas que eram partilhadas sobretudo por imigrantes ou portugueses que viveram em África deixaram os subúrbios e são agora os mais jovens que investem na sua confeção em ementas portuguesas, segundo o organizador do Congresso dos Cozinheiros.
"Conexão Africana" é precisamente o tema da 18.ª edição do Congresso dos Cozinheiros, que decorre no domingo e na segunda-feira em Oeiras, e que contará com participações como a do são-tomense João Carlos Silva ("Roça São João dos Angolares"); a ganesa Fatmata Binta (Fulani Kitchen Foundation); Najat Kaanache ("Nur Restaurant", Marrocos), ou Jeny Sulemange ("Cantinho do Aziz", de origem moçambicana).
Em entrevista à agência Lusa, Paulo Amado, da Edições do Gosto, que organiza o congresso, afirmou que vivemos tempos únicos da cozinha africana em Portugal, que determinarão a sua história.
Após um período que se seguiu ao 25 de Abril, em que os restaurantes que serviam alguma comida africana estavam localizados essencialmente nas bolsas junto das grandes cidades, alguns ingredientes desse continente passaram, ainda que timidamente, a constar de outras ementas, como o frango assado e o caril.
Os tempos mudaram e a afirmação completa desta gastronomia está a chegar, a par da "integração desejada dos africanos", que demorou quase meio século a "vingar" na restauração portuguesa.
"Passados quase 50 anos da descolonização, está na altura de reconhecer que esta cultura tem valor e faz parte da cultura portuguesa e dar lugar, no centro, às cachupas, muambas e caldos de mancarra", adiantou.
Paulo Amado reconhece que o turismo deu uma ajuda, até porque o passado de Portugal em África continua a ser alvo de grande curiosidade e a gastronomia faz parte dessa história.
"Ainda que haja muita dor sobre o nosso passado colonial, há muita curiosidade de quem nos visita em conhecer o nosso passado e a presença de África na nossa cultura", indicou.
E diz-se preparado para novas versões dos mais tradicionais pratos africanos, graças a esta afirmação, sobretudo dos mais jovens.
"A cozinha é uma construção permanente", disse o ativista social, sublinhando que a originalidade de alguns pratos africanos se deve precisamente a terem sido confecionados, durante muito tempo e nos sítios do costume, sobretudo por africanos e afrodescendentes ou portugueses que viveram em África.
A continuidade dessa confeção foi possível, em parte, devido ao cultivo de produtos africanos em pequenos terrenos, como nos visíveis campos à beira das estradas, seja por necessidade ou porque são, desta forma, mais fáceis de obter.
Agora, os tempos avizinham-se de inovação pelas novas gerações, que já vão marcando o seu lugar em salas de reconhecido talento, nas quais a existência de um chefe africano é sinónimo de comida de qualidade.
Paulo Amado acredita que continuarão a constar os ingredientes base, sobretudo o óleo de palma, o frango, o amendoim, as leguminosas e os tubérculos, em apresentações que, tudo indica, serão diferentes das tradicionais.
Mas, na sua opinião, ainda falta muito: "O sistema de reconhecimento até há pouco tempo não dava papel às mulheres, quanto mais aos de origem africana. É ainda um mundo em que o homem, branco e novo é a figura de destaque na cozinha -- é preciso mudar".
Para Paulo Amado, os predicados da cozinha africana incluem ainda a sua rentabilidade, já que esta é "uma gastronomia muito ligada ao meio, de subsistência, bastante inventiva e orientada ao aproveitamento, ao sabor e à natureza".
A organização prevê receber mais de mil visitantes durante os dois dias do Congresso dos Cozinheiros, que vão contar com 20 horas de apresentações e 40 oradores nacionais e internacionais.
No âmbito deste evento, decorre na segunda-feira a prova final para eleger O Melhor Pastel de Nata 2022, com 12 finalistas, e uma rota para dar a conhecer restaurantes de Oeiras, até ao último dia do evento.