Nós, eles (os políticos) e a propaganda
1. Crise após crise – e voltamos e ingressar noutra, ainda sem sairmos da anterior – , esta igualmente experimentada de forma global, alicerçada numa guerra e nova dinâmica inflacionista impulsionada sobretudo pela subida abrupta dos preços das matérias-primas e energia (que já está a provocar graves danos na nossa economia e um pouco por toda a sociedade), tudo isto encoraja, participa e fundamenta o gradual afastamento do cidadão comum da atividade (e decisão) política, melhor, dos nossos ‘conceituados’ líderes, atores e/ou representantes políticos (infelizmente, cada vez menos “estadistas”).
Neste quase primeiro quarto de século do novo milénio, lamentavelmente os números não enganam: mais de dois terços da população mundial vive, neste momento, em democracias em retrocesso ou em regimes autocráticos e, segundo o International IDEA (Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Social), o número de países em transição para o autoritarismo superou, em 2020, o número daqueles que avançam em direção a uma democracia. De forma sintética, o sistema democrático moderno (liberal) parece estar a esvaziar-se e a entrar em declínio (veja-se o que sucede nos EUA), e para isso muito colaboraram as medidas desproporcionais, desnecessárias e/ou ilegais adotadas na luta contra a Covid-19. O que virá depois desta nova conjuntura?
Ora, nós – os portugueses –, gente bem real (homens e mulheres, jovens ou menos jovens da província – das pequenas vilas ou aldeias do interior – ou dos grandes centros urbanos e regiões insulares…), aqueles cidadãos anónimos que fazem diariamente pela vida, que produzem/geram riqueza para o país, que são combativos, corajosos, aventureiros, solidários… e capazes de realizar coisas incríveis cá dentro, mas também lá fora – em 2019, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa qualificou-nos como “os melhores dos melhores do mundo” (nos últimos anos, creio que muito graças ao elevado nível de exigência do nosso sistema de ensino, que é uma mais-valia para todos aqueles que têm o privilégio de frequentar) –, estamos cada vez mais distantes, desinteressados, cansados e desconfiados de quem nos tem representado e governado nas últimas décadas.
A retórica política e as “tradicionais” ideologias (que estão neste momento “destroçadas”, nas palavras do Prof. Adriano Moreira) não já respondem às preocupações, interesses e problemas dos portugueses, e a Verdade (que necessita de ser cada vez mais escrutinada pelos media, pois é intencionalmente pervertida nas redes sociais) é agora preterida em nome da popularidade e dimensão das audiências. Os velhos e novos atores políticos talvez ainda não tenham percebido (ou não querem mesmo entender) que as condições em que se faz hoje política mudaram. Elas são bem diferentes das do século passado. O mundo (a realidade) está mais acelerado, há outras, modernas e inovadoras tecnologias; há também novas regras, diferentes interesses e motivações nos cidadãos-eleitores, em suma, há toda uma ‘atualizada’ mundividência por parte do auditório que se converteu em algo bem diferente daquilo que os partidos (e políticos) julgam entender e que não conseguiram ainda assimilar e acompanhar. Assim, nesta nossa já “madura” democracia representativa, existem eles (os políticos) porque primeiro estamos nós, mas eles retratam e representam cada vez menos o nós, pois a dessincronia entre as suas conveniências e as nossas é cada vez maior. Muitos deles já não vivem para a política, para servir o Estado, para defenderem a democracia, promoverem os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos (nós) e resolverem os problemas nacionais, mas vivem da política, são profissionais da política e gravitam teimosa e continuadamente à volta do poder.
2. Na atualidade, eles – a classe política portuguesa – é cada vez mais alvo de duras críticas e algum desprezo. A título de exemplo, um estudo do Global Corruption Barometer (2020), refere que em Portugal, 27% das pessoas diz que a maioria dos deputados são corruptos ou facilitadores da corrupção e no que respeita aos membros do governo, 16% acredita que são corruptos, mas 15% refere mesmo que o primeiro-ministro está envolvido em corrupção. Por outras palavras, a opinião que o nós tem dos seus políticos (eles) não é nada abonatória, e algumas das causas que a justificam vão desde a incompetência, falta de bom senso, de ética, a inconsistência, o calculismo e vaidade, os vários e consecutivos casos de corrupção, o abuso de privilégios concedidos, a ambição desmedida, os “truques” e alguns espetáculos deprimentes a que se prestam no(s) Parlamento(s)…, não esquecendo a mentira e o incumprimento de muitas das tarefas que lhes foram atribuídas. Aqui está toda uma constelação desfavorável à política e aos políticos, numa era em que a primeira se tornou em entretenimento e os segundos, em (pseudo)celebridades. O nosso grande escritor realista Eça de Queirós, compreendeu – e retratou – tudo isto muito bem na sua prosa, quando declara que “há muitos anos que em Portugal a política apresenta este singular estado: doze ou quinze homens, sempre os mesmos, que alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder… o poder não sai duns certos grupos” (As Farpas). Mas o que colocou tudo isto sob suspeita, o grande mal, o que tem minado a autoridade de toda uma atividade nobre é que “das subversões políticas, das crises ministeriais, dos antagonismos de poderes, saiu uma classe de homens que consideram o governo propriedade sua. Para estes só há duas situações possíveis: ou uma oposição facciosa – ou uma pasta. Não se lhes fale em princípios, eles têm só um princípio: o amor ao poder (Eça de Queiroz, 6 de junho de 1867)”.
3. O Homem é um ser eminentemente social que necessita de comunicar, é um facto! Porém, alguns exageram, melhor, fazem-no não ao acaso (ou para informar), sem o devido “dever de neutralidade”, imparcialidade, objetividade, mas com um propósito, intenção, fim: levar o destinatário à adoção de certas posições, opiniões, comportamentos... e, na política, especificamente para capitalizar aquilo que são as circunstâncias e as oportunidades dadas, tudo para granjear (ou manter) bons resultados eleitorais. A propaganda política, ou seja, a difusão de uma dada doutrina ou prática que tem conteúdos e objetivos políticos definidos, está hoje bem presente nos nossos meios de comunicação de massas, mais ou menos de forma deliberada e percetível ou então ‘clandestinamente’. Alguns dos nossos políticos são exímios nesta arte da manipulação (na arte de “vender mentiras”), tudo para influenciar a opinião pública. Disfarçada de publicidade (enganosa), “marketing político” ou método de condicionamento emocional, psicológico e até físico, o objetivo final é um dado e simples comportamento: o voto. Resgato aqui o caso da propaganda à “bazuca” (PRR) de 7 mil milhões de euros de dinheiros europeus destinados a recuperar a economia e a sociedade, tudo em plena campanha eleitoral autárquica, e agora o novo plano de 2400 milhões de euros para apoiar as famílias, onde se destaca os 125 euros para quem ganha até 2700€ brutos e o “bónus” de meia pensão, pago já em outubro, para que os reformados “recuperem” parte do poder de compra perdido devido ao acréscimo da taxa de inflação. Feitas bem as contas, aclarados os detalhes, destapado o truque, percebemos que este pacote anti-inflação é mais uma mão cheia de quase nada, uma artimanha, um golpe de ilusionismo que sucumbe ao teste da realidade, que não reforma nada, que não reforça a competitividade da nossa débil economia, mas que desloca as atenções e a agenda mediática dos estruturais problemas do país. Na política, a mentira organizada tal como hoje a conhecemos é uma arma poderosa contra a Verdade, mas também contra a própria democracia e ambas correm sérios riscos no presente e futuro!