O que muda no SNS com o novo Estatuto
Quarenta e três anos após a sua criação, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem um novo Estatuto que pretende organizar melhor o seu funcionamento, dar mais autonomia aos hospitais e garantir maior motivação aos seus profissionais.
São 106 artigos que vêm substituir o anterior Estatuto que estava em vigor desde 1993 -- há 29 anos -, mas também adequar o SNS à nova Lei de Bases da Saúde, aprovada em 2019, e que clarificou o papel e a relação entre os vários atores do sistema de saúde em Portugal.
O novo Estatuto entra em vigor após o SNS ter sido levado ao limite na resposta à covid-19 durante mais de dois anos, numa altura em que ainda está a recuperar a atividade assistencial prejudicada nesse período e que se debate com dificuldades em fixar recursos humanos, como médicos e enfermeiros.
Aprovado em Conselho de Ministros em 07 de julho, o decreto-lei do novo Estatuto foi promulgado pelo Presidente da República em 01 de agosto, 48 horas depois de o receber em Belém, com Marcelo Rebelo de Sousa a considerar que "seria incompreensível para os portugueses" retardar a sua promulgação, perante os desafios com que o SNS se confronta atualmente.
Na prática, o normativo prevê alterações em várias áreas do SNS, como a sua organização e funcionamento, a política de recursos humanos e autonomia das instituições.
Como se organiza o SNS
O SNS organiza-se a nível territorial através das regiões de saúde Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, e a nível funcional, por níveis de cuidados, devendo os seus estabelecimentos orientar o respetivo funcionamento pela proximidade da prestação, pela integração de cuidados e pela articulação inter-regional dos serviços.
O documento vem dar aos hospitais mais autonomia para a contratação de trabalhadores e para investir, pois as Finanças passam apenas a ter de aprovar valores acima dos 2,5 milhões de euros em projetos previstos nos Planos de Atividade e Orçamentos submetidos à tutela.
Que funções terá a nova direção executiva
O SNS passa a ser dirigido, a nível central, por uma direção executiva, cujo decreto-lei que a regulamenta foi já promulgado pelo Presidente da República em 16 de setembro e publicado hoje em Diário da República.
Este novo órgão, que entra em funções em 01 de outubro, vai coordenar a resposta assistencial de todas as unidades de saúde que integram o SNS, bem como a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP).
Cabe ainda à direção executiva assegurar o funcionamento em rede do SNS, através da articulação nacional dos diferentes estabelecimentos e serviços, da integração dos diversos níveis de cuidados e da procura de respostas de proximidade, coordenando a criação, revisão e gestão das redes de referenciação hospitalar.
Além disso, terá de garantir a melhoria do acesso ao SNS, gerindo o sistema de acesso e tempos de espera e o sistema de inscritos para cirurgia, monitorização do desempenho e resposta do SNS, através de inquéritos de satisfação aos utentes e profissionais de saúde.
A direção executiva terá também outras missões novas como designar os conselhos de administração dos hospitais e os diretores executivos dos agrupamentos de centros de saúde.
De acordo com o próprio Estatuto, a função da direção executiva do SNS distingue-se da do Ministério da Saúde, ao qual competem, para além da condução da política nacional de saúde, responsabilidades específicas relativas ao SNS, mas não a coordenação operacional das suas respostas.
O que são os Sistemas Locais de Saúde (SLS)
Os SLS, outra das novidades do novo Estatuto, são estruturas de participação e colaboração das instituições que, numa determinada área, desenvolvem atividades que contribuem para a melhoria da saúde das populações e para a redução das desigualdades em saúde.
Os SLS vão integrar, por inerência, os estabelecimentos e serviços do SNS e outras instituições públicas com intervenção direta ou indireta na saúde, designadamente nas áreas da segurança social, da proteção civil e da educação, assim como os municípios.
O que é o regime de dedicação plena
Este regime aplica-se, para já, aos médicos do SNS e é incompatível com o exercício de funções de direção técnica, coordenação e chefia em instituições privadas e do setor social, com exceção dos consultórios médicos de profissionais individuais.
As funções em regime de dedicação plena vão depender da assinatura de uma carta de compromisso assistencial entre o médico e instituição à qual se encontra vinculado, e na qual vai constar, por um período de três anos, os objetivos e metas a alcançar, que devem traduzir-se em ganhos de acessibilidade, qualidade e eficiência.
O regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a ser designados em regime de comissão de serviço para exercer funções de direção de serviço ou de departamento no SNS.
Para a concretização deste regime, tem ainda de ser definidos em regulamentação específica o modelo de organização do trabalho, incluindo o acréscimo do período normal de trabalho semanal, e o regime remuneratório, caso dos prémios de desempenho, entre outras matérias.
Começando pelos médicos, o regime de dedicação plena deve ser alargado, gradual e progressivamente, a trabalhadores de outras profissões do setor da saúde.
Criado um regime excecional de contratação
Ainda na área dos recursos humanos, e para os casos em que a insuficiência de profissionais de saúde possa comprometer a prestação de cuidados, passa a ser da competência dos gestores dos estabelecimentos e serviços do SNS a celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo certo, pelo prazo máximo de seis meses, não renovável.
Os órgãos máximos de gestão dos estabelecimentos e serviços do SNS reforçam, assim, a autonomia para a contratação de trabalhadores, independentemente da modalidade de contrato, no âmbito dos respetivos instrumentos de gestão.
Novo regime excecional de trabalho suplementar
Nos casos em que as funções se mostrem indispensáveis para assegurar a prestação de cuidados de saúde, e para reduzir a necessidade de recorrer a prestadores de serviços, os trabalhadores do SNS podem, mediante acordo, prestar trabalho suplementar em estabelecimentos ou serviços distintos daqueles a cujo mapa de pessoal pertençam.
Nestes casos, o trabalhador é remunerado como trabalho suplementar, mas não conta para o limite anual do trabalho suplementar legalmente fixado, e o seu pagamento é assegurado pela entidade a que o trabalhador se encontra vinculado.
Fixação de profissionais em zonas geográficas carenciadas
O novo Estatuto prevê ainda que o SNS pode recorrer a incentivos financeiros e não financeiros como estímulo à fixação de profissionais de saúde em zonas carenciadas para melhorar o acesso, designadamente o aumento dos dias de férias, dos dias de formação, do tempo dedicado à investigação e à telessaúde e à flexibilização do regime de mobilidade.
Para isso, os estabelecimentos do SNS podem celebrar protocolos com entidades públicas, privadas ou do setor social, em especial autarquias locais, para atribuição de outros incentivos, como é o caso do alojamento.
Agrupamentos de centros de saúde com mais autonomia
Os agrupamentos de centros de saúde (ACES) sofrem uma alteração da sua natureza jurídica, passando a ser considerados institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, com responsabilidades de contratualização da prestação de cuidados de saúde primários com a Administração Central do Sistema de Saúde, à semelhança do que acontece com os hospitais.
O que falta regulamentar
O Estatuto prevê que, no prazo de 180 a contar da data da sua entrada em vigor, têm de ser aprovadas as alterações legislativas e regulamentares necessárias à sua execução, caso do acréscimo do período normal de trabalho semanal e do acréscimo remuneratório correspondentes ao regime de dedicação plena, matérias a negociar com os sindicatos.
O Estatuto tem ainda uma norma transitória que estipula que a sua entrada em vigor não determina o termo de mandatos nem a cessação de comissões de serviço que estejam em curso.