A Madeira, os 200 anos da primeira Constituição Portuguesa (1822) e a ‘adjacência’
A solução da ‘adjacência’ foi de tal forma bem-sucedida - e ficou tão bem consolidada - que resistiu a quase tudo
A recente notícia que a Neste dia, 23 de Setembro, há exactamente 200 anos (1822) foi aprovada a primeira ‘Constituição Portuguesa’ e com ela inaugurou-se a Monarquia Constitucional. Os defensores da novel Lei Fundamental pretendiam colocar um ponto final a 2 anos de debate e de conflito, iniciados em meados de 1820, com a chamada Revolução Liberal, que tivera uma profunda matriz nacionalista (e antibritânica).
Na verdade, o liberalismo que os ‘vintistas’ defendiam (de cariz radical, que liderara o processo revolucionário e que então pretendiam consolidar no poder) era, para além de nacionalista, também muito progressista (pelas alterações que proponham, tendo até em conta a realidade europeia à época).
Portugal e o espaço atlântico tinham passado pelo ‘vendaval napoleónico’ (1801-1815), que derrubara muitos dos poderes do Antigo Regime e da Monarquia Absoluta. Na Península Ibérica as guerras napoleónicas e o que se seguiu fomentara as ideias nacionalistas. Ora, na Madeira estes acontecimentos contribuíram para a emergência do pensamento autonomista e até, em alguns círculos, para a defesa das vias independentista, da união ou aproximação ao Reino Unido ou da junção ao Brasil.
A historiografia portuguesa tende a ignorar (ou a não incorporar) esta realidade histórica. Mas há 200 anos a questão era premente: o Brasil dera o seu Grito do Ipiranga, depois de D. João VI ter regressado a Lisboa e o Parlamento português ter insistido em fazer o território brasileiro regressar, sem discussão, ao estatuto de Colónia. Desde a Madeira chegavam ao Governo, em Lisboa, informações de que o Arquipélago podia escolher a via secessionista.
Recorde-se, por exemplo, que os deputados brasileiros tiveram de fugir de Lisboa, depois de se apresentarem no Parlamento. No regresso ao Brasil tocaram no Funchal, onde foram controlados e espiados durante toda a sua estadia. Eram muitos os receios de que pudessem inflamar as gentes madeirenses. Aliás, os contactos com o Brasil, que desde 1817 já se tinham limitado – pela coincidência entre a Sedição Pernambucana e o Ajuntamento dos Colonos na Madeira (ambos em 1817) – foram então interditos.
É neste contexto – aqui exposto de forma telegráfica – depois da Madeira ter aderido à Revolução (em Janeiro de 1821) e dos deputados madeirenses se terem apresentado no Parlamento, que é aprovado no Tit.º II da Constituição da Monarquia Portuguesa de 1822 o art.º 20º: por ele se dava cunho jurídico ao conceito politico da ‘adjacência’, da Madeira ao Reino de Portugal. Estava definido, de forma clara, o primeiro Estatuto insular. Feito à cautela, depois de se discutir se a Madeira era Europa ou África e como forma de garantir a posse e a Soberania. Assim se afastavam - à luz do próprio Direito Internacional - quaisquer intentos (presentes ou futuros), de madeirenses, brasileiros ou britânicos.
A solução da ‘adjacência’ foi de tal forma bem-sucedida - e ficou tão bem consolidada - que resistiu a quase tudo. Menos ao verdadeiro grito de Liberdade, dado no ‘25 de Abril’, confirmado no ‘25 de Novembro’, mas, acima de tudo, não resistiu à vontade histórica do Povo Madeirense e dos seus representantes.
Muita coisa mudou, na vida política portuguesa desde 1822. Hoje vivemos sob a nossa 6ª Constituição (1976). Não obstante, pelo menos duas coisas persistiram e ambas devem prender a nossa atenção (preocupação?): por um lado, o extirpar do artifício da adjacência e a conquista da Autonomia Político-Administrativa não foram capazes de obliterar o(s) espírito(s) centralizador(es), desenvolvidos desde o séc. XIX; por outro, apesar do tempo e das reivindicações seculares, a Madeira teve sempre muita dificuldade em criar e desenvolver conhecimento e, acima de tudo, doutrina sobre aquilo que pretende ser. Porquê? Isso já é outra História.