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Padre Rufino – “meu padre” na Capela da Ajuda

Em Outubro de 2020, no DN e com o título “Os jovens e a política”, entre diversas coisas, afirmei que o Padre Rufino da Capela da Ajuda, dialogava com os jovens, cantava em defesa do povo e pela libertação das nossas almas mas já na vida terrena. Em pleno adro da Capela da Ajuda, fez-se uma peça de teatro sobre os diversos ismos, isto em 1965.

O «meu padre» chegava à igreja no seu Opel preto, subia a rampa até ao Caminho Velho da Ajuda e a malta nova já esperava pelo seu amigo e a sua viola.

Homem, sacerdote culto, doutorado em Roma, músico, compositor, professor e excelente pedagogo, foi modesto até ao limite, mas um combatente pelos ideais da Paz na Terra do Papa João XXIII. Morreu no Caniço, estou ciente, como Padre.

Este sacerdote católico juntamente com outros 3 padres, João da Cruz, Lino e Sidónio, subscreveram em 1969, a Carta ao Governador a solicitar eleições livres, em conjunto com outros cidadãos livres, desta ilha prisão.

Estes padres viviam na sua casa, a Comunidade do Pombal, e, com outros democratas de então e que não posso esquecer o Capelo, fundaram o CCO – Centro de Cultura Operária, que em horário pós-laboral, formaram tanta gente que mais tarde foram contabilistas, escritores, médicos, enfermeiros…

Eram católicos progressistas. Nunca foram alinhados politicamente. Eram contra a Guerra Colonial. Eram pela liberdade e pela democracia. Eram, sem dúvida, assumidamente contra o regime fascista.

Com a viola e os seus poemas, nos livros castanhos, cantaram a trova do vento que passa, cortaram o bico ao rouxinol, rola sangrenta uma cabeça de preto no chão de Angola, este parte aquele parte e todos se vão, Madeira ficas sem homens que possam colher teu pão, Bairro de Lata, resiste meu amor resiste, é preciso avisar toda a gente, vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar, Meu Menino é de oiro, sou barco abandonado, o soldadinho não volta do outro lado do mar, os vampiros, o País Prisão.

Em 11 de Novembro de 1975, pelas oito horas da manhã, um forte explosivo rebentou a entrada do prédio onde viviam os quatro padres. O Bispo Santana não abriu o bico, só o povo se revoltou. O « meu padre» e os seus três colegas partiram para o Continente, porque na ilha prisão, não havia lugar para homens de liberdade.

Rufino deixou-nos o livro “Cantigas Religiosas do Natal Madeirense”, escreveu dois livros sobre Música Sacra e Canto Gregoriano, fez parte do Coro Gulbenkian. Com o padre Araújo do Garachico integrou o Coro Paz e Bem em Oeiras. Foi Director Artístico do Orfeão Madeirense, escreveu na Revista Islenha. e por fim, além de ser o «meu padre» foi sempre meu amigo e visita frequente de minha casa.