Washington e Londres comprometidos em proteger acordo de paz da Irlanda do Norte
Washington e Londres asseguraram hoje que estão "comprometidos na proteção das regras" do acordo de paz da Irlanda do Norte, tema extremamente sensível nas relações bilaterais, associado à divisão sobre o impacto do Brexit no país.
A garantia dos Estados Unidos e do Reino Unido foi manifestada durante um encontro entre o Presidente norte-americano, Joe Biden, e a primeira-ministra britânica, Liz Truss, realizado à margem da 77.ª Assembleia Geral da ONU, que está a decorrer em Nova Iorque desde terça-feira e dois dias depois de já se terem reunido em Londres.
Biden garantiu que os dois países vão "proteger" as regras do acordo de paz, enquanto Truss disse estar "ansiosa" para analisar com Washington o acordo também conhecido por "Sexta-Feira Santa", assinado em Belfast a 10 de abril de 1998 pelos governos britânico e irlandês, e a forma como se poderá assegurar que seja respeitado no futuro.
A nova primeira-ministra britânica apresentou, quando ainda era chefe da diplomacia do Reino Unido, uma lei que modifica as disposições relativas à Irlanda do Norte após o Brexit, concretizado a 31 de janeiro de 2020, que, segundo Washington, arriscaria enfraquecer a paz na ilha.
Quando o Reino Unido saiu da União Europeia (UE), a 31 de janeiro de 2020, uma das questões mais delicadas foi como respeitar o acordo que pôs fim a três décadas de confrontos entre unionistas (fiéis à coroa britânica) e republicanos (defensores da reunificação com a República da Irlanda), pois a Irlanda do Norte passava a ter fronteira terrestre com um Estado membro dos 27.
A resposta encontrada foi o protocolo da Irlanda do Norte, um complemento ao acordo do Brexit que procura respeitar os acordos de Sexta-Feira Santa ao garantir que os bens que entre por aquela fronteira não serão sujeitos a fiscalização.
Segundo a agência noticiosa Associated Press (AP), Londres espera que a boa vontade global em relação à falecida rainha Isabel II, cujo funeral ocorreu segunda-feira, ajude a suavizar os problemas nas relações com os Estados Unidos e com outros aliados provocados pela saída do Reino Unido da UE.
Washington, prossegue a AP, está particularmente "preocupado" com a possibilidade de o Brexit ter criado atritos nas bases do acordo de paz.
Truss descreveu a relação com os Estados Unidos e o Reino Unido como sendo uma de "aliados firmes", evitando, porém, referir-se à parceria transatlântica como um "relacionamento especial", evitando também a linguagem usada pelos seus antecessores, que remonta a Winston Churchill.
Na resposta, Biden reforçou a ideia de que o Reino Unido é o "aliado dos Estados Unidos mais próximo no mundo".
No entanto, escreve a AP, Truss, que assumiu o cargo a 06 deste mês, dois dias antes da morte de Isabel II, enfrenta o ceticismo de muitos diplomatas e políticos norte-americanos sobre o Brexit.
Truss foi ministra do Comércio e, depois, dos Negócios Estrangeiros do ex-primeiro-ministro Boris Johnson, um defensor do Brexit que mergulhou as relações com os 27 países da UE numa nova era.
A Irlanda do Norte é a única parte do Reino Unido que partilha uma fronteira terrestre com um Estado membro da UE (República da Irlanda) e o Brexit trouxe novas regras alfandegárias e comerciais.
A questão acabou por desencadear uma crise política para o governo de unidade nacional em Belfast, com os políticos unionistas pró-britânicos a recusarem formar um executivo com os nacionalistas irlandeses.
Numa tentativa de quebrar o impasse, o Reino Unido anunciou uma legislação para suspender a fiscalização e a rasgar parte do tratado legalmente vinculante do Brexit com a UE, medida que irritou o bloco europeu e alarmou Washington.
Nesse sentido, Biden, que se interessou particularmente pelo tema, pois tem ascendência irlandesa, apelou para que nenhuma das partes mine o acordo de Belfast, em que os Estados Unidos desempenharam um papel fundamental na negociação.
Vários políticos britânicos pró-Brexit prometeram que qualquer perda de comércio com a UE seria "facilmente substituída" por maiores trocas promovidas através de acordos de livre comércio com outros países, dando como exemplo os Estados Unidos.
Truss, no entanto, foi já esta semana forçada a admitir que o há muito pretendido acordo de livre comércio com os Estados Unidos não será possível "no curto e médio prazos", em parte por causa da oposição na administração Biden e no Congresso.
"Atualmente, não estamos a negociar um acordo comercial com os Estados Unidos. Aliás, os Estados Unidos não estão a negociar um acordo comercial com ninguém neste momento. Mas estamos abertos a negociar um acordo comercial quando a administração [de Biden] decidir que é isso que quer fazer", disse hoje Truss numa reunião com líderes empresariais em Nova Iorque.