Aqui fica o meu recado
Fui professora. Sou professora. Sê-lo-ei sempre, acho eu.
Abracei a carreira por vocação e com a convicção de ter feito a escolha certa. Não me enganei.
Desde tenra idade, ainda a frequentar o ensino secundário, ajudei muitas crianças a melhorar a sua aprendizagem dando-lhes "explicações "em horário extra escolar. Preparei com sucesso alguns adultos para a prestação de provas (oral e escrita) num concurso de ingresso à carreira profissional que vieram a exercer.
Depois de mais de metade da minha vida dedicada ao ensino e de catorze anos de aposentação, continuo com o cordão umbilical ligado e tudo o que se reporta à Educação prende o meu interesse.
Saí da extinta Escola do Magistério Primário com uma força gigante e uma fé inabalável de que ia mudar o mundo! A realidade deu cabo do meu sonho, mas incentivou a minha vontade de, pelo menos, melhorar.
Quando hoje se fala tanto em "bullying" entre crianças e jovens, eu relembro com tristeza que, também eu e sobretudo outra colega, de quem guardo a fisionomia, fomos vítimas dessa praga por parte de futuras professoras, enquanto estudantes de magistério.
As posses de nossos pais, inferiores aos dos delas, naturalmente, conferiam-lhes o direito de se sentirem superiores.
Fiquei também a saber, por mero acaso, que quem comigo privava desde longa data, que me acompanhava todos os dias, me traía
dizendo inverdades tenebrosas a meu respeito, com o intuito de afastar as pessoas de mim. Na minha ingenuidade julguei que a honestidade não era só da minha parte. Doeu muito, mas passou. Por outro lado, sem que eu fizesse nada por isso, fiz amizades que até hoje conservo. E prezo muito.
Cheguei à minha primeira e única Escola com 20 anos. Era a professora mais nova. Aos 23 foi eleita, pela primeira vez, directora. Voltei a desempenhar o cargo durante mais dois mandatos, num total de 12 anos intercalados. Em abono da verdade, julgo que não desrespeitei nunca as colegas que comigo trabalharam. Nem às mais velhas, nem às mais jovens que foram chegando.
Cometi muitos erros. Falhei muitas mais vezes, mas tenho quase a certeza que não prejudiquei ninguém. Não voluntariamente.
Em qualquer local de trabalho onde laboram muitas pessoas, com muitas diferenças é natural que surjam atritos e algum tipo de conflitos, facilmente ultrapassáveis com civismo, educação e respeito pelo outro. Passei por situações complicadas, desagradáveis e tristezas mas, as amizades sinceras, as alegrias e o sucesso dos alunos superaram tudo isso em larga escala.
Velhas amizades deram lugar a temíveis adversários quando, em má hora, a inoportuna política transpôs o umbral da porta da Escola .É, julgo eu, o que acontece quando não se sabe separar as águas...
Algumas das colegas com quem privei, no Magistério ou no exercício da docência já partiram, mas as outras estão por aí. Gostaria que tudo o que descrevo chegasse a cada uma delas, de um modo particular às que um dia me desrespeitaram, às que, pela sede do poder, enveredaram por uma campanha suja; às que se fazendo valer de um cargo de gestão me ofenderam quando eu cumpria o meu dever, como sempre o fiz (passe a imodéstia); a quem me "obrigou" a reformular os termos em que redigia os meus ofícios, depois de mais de 30 anos a redigi-los de igual forma, sem advertências de outros superiores hierárquicos; a quem me fez chorar quando eu precisava sorrir... Tudo isto já prescreveu. Não, na minha memória.
Já tenho a idade em que as coisas são vistas com mais calma. Durante todos estes anos eu fiz questão de viver com justiça, honestidade e seriedade o que a vida me foi oferecendo. Segui um caminho difícil, dominado por um ideal nobre e quando olho para trás penso que tudo valeu a pena e que não tenho nada de que me envergonhar.
Não guardo mágoa, não sou eu que tenho de guardá-la.
Já perdoei. Jamais esquecerei.
Madalena Castro