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Presunção (Anti)Monárquica

Com a morte da Rainha Isabel II no início deste mês, perdeu-se um dos mais relevantes símbolos de organização política e união cultural do século passado. Como apenas seria possível, um evento desta dimensão não poderia passar discretamente e sem os seus episódios de controvérsia que desviam a atenção do falecimento da monarca em direção a cidadãos sem qualquer tipo de sentido de oportunidade ou que, com ele, perdem toda a noção de ética.

Aproveito para prefaciar este artigo com o esclarecimento de que não sou nenhum monarquista de “armário” nem creio que a monarquia faça sentido em países cuja maioria populacional já tenha decidido abandoná-la, como é o caso de Portugal. Contudo, também acredito no direito de preservação da tradição pertencente à população e não me fecho a debates sobre os prós e contras dessa e quaisquer outras formas de governação, incluindo a democracia – um tema que parece ter-se tornado tabu já que, ao fazê-lo, o debate da democracia, qualquer um pode ser rotulado de extremista ideológico com saudades de Salazar (ou neste caso de D. Manuel II).

A instituição monárquica pode ser criticada? Claro que sim e, aliás, quase que é um dever quando observamos os fundos monetários que a mesma açambarca ou quando assistimos aos tão mal pensados argumentos que alguns usam para defender o retorno a uma Europa na sua generalidade monárquica. Como exemplo destes argumentos, refiro uma situação que ocorreu cá em Portugal: pouco tempo depois da crise desencadeada pelos resultados do referendo independentista catalão em Espanha (repressão com níveis de violência muito questionáveis por parte da Guardia Civil sobre manifestantes catalães) viu-se ser defendida a ideia de que a instituição monárquica é essencial para a estabilidade de um país, quando, no caso supra-mencionado, vimos o seu lado oposto porque, apesar de tudo, quando o poder central recai na coroa é também ela a responsável pela ocorrência de situações como a do caso catalão.

Todavia, o antimonarquismo gosta de competir neste campo de atitudes desajustadas para contrariar o seu oponente. Neste caso, creio que, excluindo o baixo nível de discurso que tem corrido online sobre a morte da rainha, nada supera os comentários provocatórios de Jesse Armstrong contra o novo rei, Carlos III, nos Emmys, cinco dias após a morte da mãe deste. Armstrong, com a legitimidade de ser inglês, achou por bem referir, de forma pouco confiante, sabendo o despropósito do que ia proferir, que naquela semana existiam várias sucessões, sendo que a premiação da sua série (“Sucession”) era mais legítima do que a coroação de Carlos – algo particularmente irónico, já que sobre os Emmys pairam suspeitas de discriminação e favorecimento de séries de elencos predominantemente brancos (o caso desta série), algo que de certa forma se comprovou na notícia de que as audiências dos Emmys nunca tinham sido tão fracas como as deste ano. Tinha esse direito? Sim. Foi uma atitude propícia ao momento? Não.

É verdade que na sociedade contemporânea a liberdade de expressão é regra e ainda bem que o é. Há quem não tenha o privilégio de usufruir dela por viver em países onde ainda existem condutas previstas e punidas de “lèse-majesté” (como é o caso da Tailândia, onde proferir qualquer crítica ao Rei equivale de 3 a 15 anos de prisão efetiva). Contudo, também sustento, é fácil sentar-se num trono de presunção democrática e apontar o dedo às “tontices” que o sistema monárquico tem. Antes de o fazer, olhemos também para aquilo em que degenerou a nossa democracia: um sistema em que o “povo é quem manda” mas são sempre as mesmas pessoas dos dois mesmos partidos no poder; um sistema em que o “povo é que decide” mas nada impede certos partidos de se aliarem a outros quando a vontade do povo não era essa; um sistema em que o “povo é que sabe” mas ninguém tem o poder de filtrar as notícias tendenciosas (de fontes oficiais e não oficiais) que tanto inclinam esse mesmo povo para versões extremas da realidade e em que qualquer um se acha habilitado a opinar sobre áreas cuja especialização exige anos de estudo e/ou de experiência.

Por isso, é preciso ter sentido crítico e de responsabilidade em relação a temas tão sérios como o de sistemas governativos e de tradição e algum sentido de respeito ou, no mínimo, de não desrespeito perante a morte de alguém tão relevante quanto Isabel II. Porque, como já o disse a fonte da sabedoria, “quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra”.