Crónicas

O Túnel

Alguém tem dúvidas que este túnel está para as eleições do próximo ano, como o Ferry esteve para as regionais de 2019?

1. Disco: ao longo da sua carreira, os Suede, já se reinventaram por diversas vezes. E sempre de modo surpreendente. Sobreviveram à saída de Bernard Butler nos anos 90, fazem um regresso fantástico com “Bloodsports” em 2013, e agora com “Autofiction” conseguem fazê-lo de novo. Não fossem quem são.

2. Livro: já aqui falei de “Na Cabeça de Putin”, de Michel Eltchaninoff. Chega agora a vez de referir este outro, também editado pela Zigurate, de Carlos Vaz Marques. Para percebermos esta Rússia imperialista, temos que recuar uns anos, até ao final da década de 80 e à queda da URSS. Precisamos entender o que se passou com o enorme roubo que foram as privatizações russas. Temos de saber do contrato feito entre Ieltsin e Putin, para que o primeiro e a sua pandilha, não fossem presos, julgados e condenados. Perceber o actual presidente da Rússia, que desde que o é, mais não fez do que promover o processo de transformar a Rússia num sistema apoiado numa oligarquia criminosa, usando o terror, o assassinato, a corrupção e a guerra para reforçar a sua posição e subjugar a oposição. David Satter, sabe do que fala, explica tudo com uma enorme clareza. Este “Quanto Menos Soubermos, Melhor Dormimos: Do Terror à Ditadura na Rússia sob Ieltsin e Putin”, é tão atual quanto o telejornal de hoje e vale a pena ler. Para perceber.

3. Foi construído no meio de uma das mais antigas e mais conhecidas cidades americanas. Foi pensado em grande. No tamanho, na utilidade e na ambição. Mas ficou conhecido pelo seu custo. O Big Dig, é um túnel que atravessa parte do centro de Boston, sendo também famoso pelo aumento brutal de custos que teve. Inicialmente estimava-se que custasse 2,56 mil milhões de dólares. Isto em 1990. As estimativas aumentaram para 7,74 mil milhões em 1992, para 10,4 mil milhões em 1994 e, finalmente, 14,8 mil milhões quando ficou pronto em 2007 — mais de cinco vezes o custo original. Os razões para a escalada de custos incluíram inflação, falha em avaliar condições desconhecidas do subsolo, custos ambientais e de mitigação e objectivo final pouco claro. Só o valor da mitigação exigiu 1.500 acordos separados e não previstos.

E os americanos não são muito dados a fazer coisas apoiados num impulso ou num entusiasmo. Ao contrário de Miguel Albuquerque, useiro e vezeiro em se entusiasmar com uma ideia, que apresenta sem ser pensada, e depois temos o resultado de “nada”. No entretanto, gasta-se o que não há.

O Big Dig desprezou a 2ª lei de Murphy: se existe alguma possibilidade de diversas coisas não correrem bem, aquela que causar maior dano será precisamente a que correrá mal.

Independentemente de todos os cuidados, de toda a fiscalização, os custos aumentaram ao longo do ciclo de vida do projeto, apesar de os enormes esforços para transferir, reduzir ou evitar riscos e conter custos. Mesmo com todos os cuidados, as coisas podem sempre correr mal. Será necessário dar exemplos de obras, entre nós, que ficam muito para além do seu custo quando terminadas? Não acontece isso com quase todas? Quem paga? Nós, os contribuintes.

No entanto, poucos projetos usaram tantas ferramentas e programas inovadores para controlar o risco e os custos como o Big Dig.

O túnel que o Governo de Albuquerque quer construir é um megaprojecto à nossa escala. Foi uma ideia caída do céu, como o demonstra o facto de já ter tido dois percursos: num primeiro momento ligaria a Ajuda a São Gonçalo e, umas semaninhas depois, já ligava o novo Hospital a Santa Maria Maior. Não sei o porquê, mas isto tresanda a Toco.

Dita a experiência, o estudo e o passado que, por norma, os custos dos megaprojetos são constantemente subestimados, uma prática frequentemente atribuída ao desejo dos seus defensores de os ver no terreno.

Daí se “esquecerem” de ter em conta inúmeros factores. Estudos de viabilidade? Estudos de necessidade? Estudos geológicos? Estudos ambientais? Estudo do custo/benefício? Estudo de custos de manutenção? Avaliações de risco? Quanto é o total do seu custo?

Nenhuma destas perguntas foram, até agora, merecedoras de resposta. Atira-se para o ano que vem mais informação sobre esta ideia peregrina.

Alguém tem dúvidas que este túnel está para as eleições do próximo ano, como o Ferry esteve para as regionais de 2019?

Os americanos tiveram o Big Dig, nós vamos ter o Big Dick.

4. A violência sobe, devagar, a encosta. Espraia-se do mar à serra. O que não foi tratado, a seu tempo, é hoje uma realidade insofismável. Durante quase dois anos, fiz parte dos que tentaram alertar as autoridades para algo que acontecia debaixo dos nossos narizes. Violência, alcoolismo, problemas mentais, droga. Tudo isto espalhou-se pelo centro do Funchal como um vírus, adoecendo e minando pessoas, enfermando a segurança, infernizando a cidade.

Na maior parte dos casos, podem ser identificadas duas categorias principais de problemas ao nível de uma cidade, relacionados com o uso de drogas: uma centra-se na forma do seu uso, por exemplo, opiáceos e injectáveis, e a outra no uso recreativo de substâncias lícitas e ilícitas.

Nós temos um terceiro problema: as drogas sintéticas. A par dos Açores, somos o paraíso de um fenómeno que não tem reprodução no todo nacional.

O centro da cidade transformou-se, em algumas das suas áreas, numa espécie de centro comercial de tráfico e consumo ao ar livre, onde os utilizadores se reúnem e o uso de drogas de alto risco ocorre em espaços públicos. Isto não é novo e contam-se às centenas as cidades europeias que enfermaram, e/ou enfermam, do mesmo mal.

As cidades diferenciam-se no modo como encaram e lidam com este problema. E depois estamos nós, a fazer campanhas contra os canabinoides, enquanto o que genericamente se designa como bloom, interna todas as semanas vários consumidores com psicose tóxica quase incurável.

E o que fazem as autoridades? Fecham, com orgulho, casas a que chamam de chuto, fazem portões para impedir o acesso, tornando o que é público numa espécie de privado. Como se o problema desaparecesse assim. Tratam um cancro com aspirinas. E orgulham-se disso.

Por mais robusto que o plano de segurança, se é que existe, seja, urge sentar polícia, agentes judiciais, câmara, governo e outras entidades, à volta de uma mesa para que a situação seja rapidamente controlada. É necessário que se faça uma avaliação, de modo a estabelecer metas e objetivos, métricas desejadas, um plano de colecta de dados e chegar a conclusões que permitam a adopção de medidas concretas.

Não podemos continuar assim.

5. João Paulo Marques queixou-se há dias, nestas páginas e com toda a razão, das linhas de crédito da República para as empresas. Linhas de crédito não são apoios, são mecanismos onde o Estado, mediante certas condições, se torna avalista de empresas em dificuldades.

Aconteceu o mesmo na Madeira e com o Governo Regional na altura dos confinamentos COVID. Com a agravante de a banca, por não confiar no GR, pedir aos empresários avales pessoais como garantia.

Depois verificámos que as empresas que tinham direito ao “fundo perdido”, tiveram de cumprir com o pagamento dos empréstimos contratualizados, porque o Governo Regional não se chegava à frente com o que tinha, pomposamente, anunciado.

Não gosto destas hipocrisias. Culpar os outros quando cometemos o mesmo “pecado” é, tão-só, mais uma das características do socialismo.

6. 450 sepulturas... Numa das valas comuns descobertas perto de Izyum. Durante meses viveu-se na região um terror desenfreado, violência, tortura e assassinatos em massa. E por aí continuamos a ouvir os “mas” de quem quer “congelar a guerra”. Não temos o direito de deixar seres humanos sozinhos a combater o Mal.

7. Ao que parece, o maior fornecedor de armas e munições à Ucrânia passou a ser a Rússia.