O bom, o mau e o ilusionista
Por obra e graça da autonomia regional, o ministro da educação risca pouco nos sistemas educativos insulares
O plano de António Costa contra a inflação é um hino ao otimismo e à eficiência orçamental. É otimista na duração da crise inflacionista porque parte do princípio que, ao fim de um mês e com 125€ no bolso, os portugueses têm o problema com o aumento de preços resolvido. É eficiente na despesa porque propõe-se a salvar as famílias e o País com 2.4 mil milhões de euros. Menos do que custou resgatar a TAP (3.1 mil milhões de euros). Quem diria que salvar a nação era mais barato do que salvar a companhia aérea nacional.
O bom: Cimeira Insular
Na cimeira entre ilhas, a afinidade partidária facilitou o que a proximidade insular há muito exigia. Não que tenha sido a primeira vez que Açores e Madeira se juntaram em reunião. O encontro já se tinha registado em 2016 e repetido em 2018. A diferença está no posicionamento político. Agora, para além da salutar cooperação entre Regiões, há uma vontade descomprometida em exigir um novo relacionamento com a República. Esse novo diálogo entre o Estado e as autonomias regionais tem duas expressões essenciais: o mar e as finanças. No ano de 2022, é impensável que o Estado, escudado numa interpretação bizantina da Constituição, continue a afastar as ilhas da gestão do mar que as rodeia. Somos bons para fazer crescer a zona económica exclusiva e para dar expressão às reivindicações nacionais sobre a plataforma continental, mas dispensáveis para tomar decisões sobre um território que só é português à nossa conta. Do ponto de vista das finanças, a exigência uníssona de uma nova lei de finanças regionais é sintomática da injustiça que o atual quadro legislativo impõe à Madeira e aos Açores. Não se trata, apenas, de exigir mais dinheiro ao resto do País, mas de reclamar que não se reduzam as autonomias a uma verba orçamental que definha todos os anos. E se não houver disponibilidade financeira do Estado para os portugueses das ilhas, então que nos permitam usar as ferramentas fiscais para procurar solução alternativa. Sem dramas ou ciúmes centralistas. Por isso, mais do que fazer contas ao número de protocolos assinados, a cimeira valeu pela plataforma política que criou. Veremos se nos leva a bom porto.
O mau: João Costa, ministro da Educação
Por obra e graça da autonomia regional, o ministro da educação risca pouco nos sistemas educativos insulares. Essa constatação tem, pelo menos, duas consequências. A Madeira e os Açores gerem, de forma autónoma, a educação nas ilhas e respondem pelas opções políticas que tomam. A existência, ainda que aparente, de três formas simultâneas de gerir um sistema educativo – Continente, Madeira e Açores – leva a comparações inevitáveis. Especialmente, quando um dos sistemas apresenta soluções marcadamente mais favoráveis para os seus intervenientes. É o caso do reconhecimento do tempo de serviço dos professores. Nas ilhas, os professores viram esse tempo totalmente reconhecido. No Continente, dos mais de 9 anos de congelamento, pouco menos de 3 foram recuperados. Confrontado com a desigualdade entre docentes do mesmo país, o ministro escudou-se na visão medieval que tem da autonomia regional para justificar o assalto à carreira contributiva dos professores. A lógica ministerial é simples: as ilhas só reconhecem a carreira dos docentes porque não são elas que pagam o impacto desse reconhecimento na reforma. Há, pelo menos, dois grandes problemas com a diatribe ministerial. O primeiro é que João Costa esqueceu-se que os professores da Madeira e dos Açores também descontam para a Caixa Geral de Aposentações. A reforma não é uma benesse do ministro, é fruto dos descontos do trabalhador. O segundo problema é a desconsideração e o desprezo que demonstra pelas Regiões. Para o ministro, as decisões tomadas nas ilhas são um fardo financeiro para o País. Por fim, fica claro, se os socialistas tivessem responsabilidades na Madeira, qual seria o destino da carreira dos professores.
O ilusionista: António Costa
Há, nas grandes apresentações públicas de António Costa, a sensação de que nos estão a passar a perna. Não que o primeiro-ministro falte à verdade sem pudor, mas guia-nos, como um ilusionista entretém o seu público, por uma sucessão de meias-palavras e grandes anúncios até ao ardil final. Foi assim na redução do IVA da eletricidade, que afinal não passava de uma artimanha fiscal e uma poupança mensal pouco superior a 1 euro. Foi assim no anunciado aumento de pensões, que redunda, a prazo, num corte no que se acabava de aumentar. Até no montante total do programa contra a inflação, somaram-se mil milhões de euros que correspondem a uma antecipação que já iria ser feita em janeiro. E voltou a ser assim com o programa de apoio às empresas, apresentado por outro Costa, mas com a chancela do primeiro. Afinal, os 1400 milhões de euros acenados às empresas são, na sua maioria, duas linhas de crédito bancário, ou seja, dinheiro que não sai dos cofres do Estado. A opção de concentrar o apoio às empresas no crédito é legítima, mas distante da pompa e circunstância do anúncio original. Principalmente, quando muito pouco se sabe acerca das regras de acesso às linhas de financiamento. Com António Costa temos sempre de ouvir e, de seguida, ler o prospeto. Essa repetida falta de clareza revela conforto com a trapaça e esconde a falta de um plano para o País.