Entramos num novo mundo
Ao invés de redefinir estratégias, americanos e europeus estão mais interessados em arrastar, de crise em crise, a fragilidade, o desnorte e até as incongruências
A comunidade internacional encontra-se perante um ponto de viragem. Apesar do mesmo estar a passar ao lado de muitos, talvez fruto de uma comunicação social menos motivada para os temas da política externa e de comunidades académicas dominadas por paradigmas ultrapassados, as últimas décadas têm tornado evidente o alinhamento de uma nova ordem mundial, na qual o estatuto dos Estados Unidos e da Europa como centros da política e da economia mundial está a ser substituído pela afirmação de novas civilizações. Aliás, todos os indicadores que hoje estão disponíveis sugerem que, dentro de um horizonte temporal muito curto, não só a China ultrapassará os Estados Unidos como a maior potência política, mas também a Índia cimentará a sua posição como a terceira maior economia global, bem à frente de qualquer estado europeu. Face a este renovado contexto, a questão mais pertinente que se coloca aos estados ocidentais, especialmente aos Estados Unidos e aos países-líder da União Europeia, é a de como enfrentar estas alterações nas regras do jogo internacional, adaptando a sua estratégia política de forma a manter alguma relevância no contexto das nações. Mas, paradoxalmente, só admitindo o seu próprio declínio poderá o Ocidente encontrar uma nova voz num planeta no qual já não tem o poder económico, político ou militar para impor, de forma isolada, os seus interesses e ideais. Infelizmente, tudo o que temos visto acontecer nos últimos tempos, e, de forma especialmente incisiva, nos últimos dois anos indica que, ao invés de redefinir estratégias, americanos e europeus estão mais interessados em arrastar, de crise em crise, a fragilidade, o desnorte e até as incongruências que há já algum tempo têm caracterizado a sua conduta no palco mundial. São várias as ocorrências que aqui poderiam ser apontadas como exemplos do declínio civilizacional patente nas comunidades europeias e americanas, tais como a decadência das elites políticas (patente na eleição de Trump, Biden e Boris Johnson), a fragilidade moral do projecto europeu (espelhada na resposta criminosa da União à crise migratória), a ascensão eleitoral de movimentos radicais de Esquerda e de Direita e a gestão incompetente da intervenção militar no Afeganistão (que levou à entronização no poder das mesmas forças obscuras que pretendia eliminar). Todavia, foi a resolução da crise alimentar gerada pelo conflito na Ucrânia que, mais recentemente, espelhou as mudanças dos nossos tempos. Enquanto americanos e europeus negavam (e continuam a negar) as vias diplomáticas, insistindo que apenas fornecendo mais armas a um dos lados se chegará à paz, a Turquia (esse país que Bruxelas diz não ter condições para estar na União Europeia), sentou à mesa a Rússia, a Ucrânia e a ONU, fazendo aquilo que nenhum país ocidental soube fazer, nomeadamente garantir a exportação de cereais e evitar uma das maiores crises alimentares de que há memória. Para alguns, o cenário foi estranho. Para os mais atentos, talvez apenas mais um prenúncio de um novo mundo que chega, marcadamente pós-ocidental.