Processo a jornalista recai em inconstitucionalidade, defende jurista
O processo do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a uma jornalista, por uma questão colocada ao treinador do Sporting, reveste-se de inconstitucionalidade, defendeu à agência Lusa um jurista.
"Penso que é manifestamente inconstitucional, pois viola o núcleo essencial da liberdade de imprensa. Essa restrição que está no regulamento é desproporcionada em relação à finalidade que visa proteger, que é, no fundo, evitar perguntas expressivas que vão para além da discussão numa conversa que é rápida e feita no final do jogo", argumentou o professor catedrático de Direito, advogado e constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia.
O processo foi aberto na terça-feira, após uma jornalista do canal SportTV ter feito, na zona de entrevistas rápidas, no final do encontro entre Sporting e Desportivo de Chaves (0-2), da I Liga de futebol, uma pergunta ao treinador Rúben Amorim "fora contexto do jogo que acabara de terminar", explicou na quarta-feira o Sindicato dos Jornalistas (SJ).
A questão efetuada na zona de entrevistas rápidas incidiu no avançado argelino Islam Slimani, com o SJ a lembrar em comunicado que esse assunto "não se enquadrava no regulamento" das provas tuteladas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LFPF).
"Não é pelo facto de dizer no regulamento que só se pode fazer perguntas sobre o jogo que o jornalista está impedido de fazer outras questões. Aliás, há muitas perguntas que transcendem o jogo e têm a ver com o estado da equipa e os jogadores vendidos ou comprados. A regra é demasiado apertada e é desproporcionada em relação à própria lógica do jornalismo desportivo. O jornalista também pergunta algumas coisas fora do jogo e isso até agora não deu problemas", explicou Jorge Bacelar Gouveia.
O Conselho de Disciplina da FPF explicou na quarta-feira em comunicado que "está obrigado a sancionar em processo sumário ou a instaurar processo disciplinar quando chegam ao seu conhecimento indícios da prática de ilícito disciplinar", referindo que os dados estavam presentes no relatório oficial de jogo, realizado no sábado, em Lisboa.
Lembrando que "os jornalistas que desempenham as suas funções por ocasião do jogo são agentes desportivos" à luz do regulamento da LFPF, o órgão notou que devem ser abordadas "exclusivamente" as ocorrências da partida na zona de entrevistas rápidas, sendo que "a violação da disposição" pode ser passível de enquadramento disciplinar.
"O jornalista não é um agente desportivo. Admito que se possa submeter a algumas regras estabelecidas pelo espaço desportivo em que entra, sobretudo numa 'flash interview', mas não com esta violência e severidade", admitiu Jorge Bacelar Gouveia.
Podendo ser sancionado de imediato em processo sumário, o Conselho de Disciplina da FPF entendeu "que deveria ser instaurado um processo disciplinar" para que pudesse, através de uma reflexão mais detida, ser ponderada uma necessidade de concordância entre a proteção dos valores desportivos e a proteção da liberdade de expressão".
"A FPF não tem de encarar os jornalistas como agentes desportivos, porque não o são, mas como agentes da comunicação social, que têm uma função muito relevante, que passa por informar as pessoas. Por isso, penso que pode haver algumas regras, desde que não limitem o núcleo essencial da sua liberdade de imprensa", finalizou o jurista.
Fonte oficial do órgão disciplinar federativo disse à agência Lusa que "não pondera sancionar" a jornalista da SportTV, tendo sido atribuído ao processo "natureza urgente", que deverá servir ainda para "clarificar uma aparente desconformidade constitucional".
O Sindicato dos Jornalistas considerou na quarta-feira ser "um atentado à liberdade de imprensa" o processo, estranhando a "manifesta falta de sensibilidade democrática" do Conselho de Disciplina da FPF e a "manifesta ilegalidade" dos regulamentos da LPFP.
Revelando que irá "participar este facto ao Ministério Público para os devidos efeitos", o SJ mostrou-se solidário com a jornalista em questão face a "uma forma gravíssima de censura absolutamente proibida no ordenamento jurídico português", que acredita poder "constituir um ilícito de natureza criminal", como "os atentados à liberdade de imprensa".
No mesmo dia, a Associação dos Jornalistas de Desporto (CNID) considerou a decisão "um absurdo", frisando que os profissionais "não podem ser escrutinados por nenhum conselho de nenhuma federação ou liga, nem por nenhum clube", enquanto a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) repudiou a atitude do Conselho de Disciplina da FPF, liderado por Cláudia Santos, em "instaurar ilegalmente" o processo.
Já o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, disse seguir "com muita preocupação" um tema "que limita a liberdade de imprensa e põe em causa os princípios basilares da constituição", apelando à reconsideração da posição do órgão disciplinar federativo.