Festa não é sinónimo de balda
O rali foi pródigo em episódios que carecem de reflexão. Para que não se repitam
Que alguns arraiais são espaço de evasão descontrolada e de ruído sem limites é moda que se alastra, nem sempre norteada pelo bom gosto, pela tradição e sobretudo pelo respeito para com o próximo. Umas vezes porque a Polícia não dá para as encomendas, outras porque o desleixo é uma instituição. Quase sempre porque falta berço e responsabilidade, educação e civismo em muito boa gente. Que certos convívios de trazer por casa ganhem contornos de série de terror, com bebedeiras e facadas à mistura, ofensas e distúrbios que se podem ler nas páginas de ocorrências, permitindo que uns pisem o risco enquanto outros fingem nada ter acontecido, é um drama crescente. Que o Rali Vinho Madeira seja metido neste baralho de cenas tristes neste ano pós-pandémico é que muitos não estavam à espera. Que a prova é muito mais do que uma mera competição automobilística já todos sabemos há muitos anos. Que é uma festa vivida intensamente por toda a Região, capaz de mobilizar diversas gerações de todos os lugares e de gerar o que faz falta no quotidiano de muitos cidadãos, como a alegria e o convívio, a partilha e a paixão, também não há dúvidas. Que é uma montra para marcas e serviços e oportunidade de negócio para o comércio local, fruto da mediatização que rende um retorno superior a 5 milhões de euros, disso têm dado conta aqueles que justificam apoios públicos e organizam o evento. Que é um momento de alienação, por vezes propício a excessos e azares, infelizmente conhecemos episódios que comprovam os efeitos da balda que, não sendo generalizada, atenta contra os elementares princípios da vida em sociedade. O que não é admissível é que, como se viu na 63.ª edição da prova que ontem terminou, haja gente que, de forma propositada, ignore recomendações e apelos frequentes, goze das autoridades e tenha comportamentos execráveis, como aqueles que foram denunciados pelos pilotos no final de várias classificativas, implorando atenção redobrada às normas de segurança e à prudência, por terem visto gente mal colocada na estrada e até grupos de ‘amigos’ aos empurrões enquanto os carros passavam a alta velocidade, como se de um concurso de alto risco se tratasse. O que não é compreensível é que a verdade desportiva seja posta em causa por ditos ‘Comissários’ que decidem sem dar explicações e prejudicam sem contemplações, com base em imagens de terceiros e interpretações dúbias, revelando incoerência nas apreciações e dualidade de critérios, já que perante situações idênticas adoptaram posturas distintas. O que não se percebe é como é que os emancipados madeirenses assistam sem reparo a decisões alegadamente soberanas que não são comunicadas de forma clara e atempada... Por respeito pela vítima fatal do acidente no Rali deste ano, e até que se saiba em pormenor o que motivou o desfecho tão trágico, não aprofundamos hoje com detalhe o que carece de reflexão urgente para que a prova seja de facto uma festa. E há muito por dizer. Até porque nada justifica os gestos que comprometem a dignidade humana, que atentam contra a vida e que à boleia de toda a tolerância sirvam para ridicularizar o povo.