O bom, o mau e a cientista
Elvira Fortunato é um peixe fora de água, no Governo em que é ministra. Em vez da política, fez carreira da ciência e fê-lo com mérito repetidamente reconhecido
O presidente da Endesa, empresa distribuidora de energia, alertou para o impacto que a fixação do preço do gás, decidida por Portugal e Espanha, teria na fatura da energia para o consumidor. Nuno Ribeiro da Silva lembrou que as distribuidoras limitar-se-iam a repassar para os clientes todos os custos acima do preço fixado pelos governos. O primeiro-ministro reagiu com um despacho a proibir o pagamento pelo Estado de qualquer fatura emitida pela Endesa, sem fiscalização prévia. Por mais popular e populista que seja a medida, é, acima de tudo, um aviso do primeiro-ministro a todos os empresários que se atrevam a criticar o Governo. Quem se mete com o PS leva! E não recebe.
O bom: As Voltas da Volta
Antes do Vinho Madeira, a Volta à Ilha. Antes da Volta, o Rallye Automóvel. Antes das especiais e super-especiais, as rampas e as gincanas. Na Madeira, não há manifestação desportiva com tanta história como a contada pelos ralis. Os primeiros capítulos desse legado estão reunidos nas paredes do Museu de Fotografia da Madeira, na exposição temporária “As Voltas da Volta”. As fotografias que contam as primeiras edições do que hoje conhecemos como o Rali Vinho Madeira, são acompanhadas de adereços da época cuja mera sobrevivência ao tempo torna obrigatória a visita à exposição. A primeira bandeira de meta, o capacete do primeiro vencedor, a placa de um dos carros em competição. Há, nas “Voltas da Volta”, um cuidado de organização e recolha, que é especialmente meritoso. Os ralis e o Rali Vinho Madeira não começaram ontem, nem são produto de uma qualquer megalomania governativa. Por cá, a história da competição automóvel confunde-se com a nossa história. Essa intimidade histórica, por fazer parte da nossa identidade como madeirenses, merece ser relembrada, seja no Museu de Fotografia da Madeira, no átrio da Câmara do Funchal ou nos Jardins da Quinta Magnólia. Todas estas iniciativas são de visita obrigatória, goste-se ou não de ralis.
O mau: Mariana Mortágua
Proscrito da governação nacional, o Bloco de Esquerda regressou ao porto seguro da oposição bota-abaixo. O Bloco regressou com tanta ânsia à oposição que, em quatro meses de governação socialista, descobriu falhas estruturais que lhe tinham escapado durante os 7 anos de geringonça. De uma penada o Bloco encontrou problemas na saúde, nos aeroportos, na economia e na habitação. Aponte-se-lhe uma área e o Bloco encontra um problema. O mais curioso na indignação reencontrada é que tudo teria sido evitado caso o Bloco continuasse a governar com o PS. Foi assim que Mariana Mortágua abriu a entrevista dada a este Diário. Depois da geringonça, o abismo. Não se sabe bem como é que a influência do Bloco no governo traria tamanhas melhorias nacionais, mas Mortágua dá-nos um vislumbre da resposta. “Nós não podemos (…) fazer perguntas ao Bloco como se faz ao PS e ao PSD”. Obviamente que não podemos, até porque o Bloco não tem respostas para essas perguntas. Os vistos gold são um bom exemplo dessa isenção privilegiada. Os vistos são para acabar porque apenas servem para lavar dinheiro e inflacionar o preço das casas. Como é habitual no Bloco, Mortágua não explica como, nem porquê. Não há dados, apenas conclusões. Chocantes, de preferência. Não se trata da defesa intransigente do regime atual dos vistos gold, apenas o alerta que as generalizações em que se especializou o Bloco, levam a conclusões perigosas como, por exemplo, o fim apressado do Centro Internacional de Negócios da Madeira. Mariana Mortágua não o disse, mas todos sabemos que pensou.
A cientista: Elvira Fortunato
Elvira Fortunato é um peixe fora de água, no Governo em que é ministra. Em vez da política, fez carreira da ciência e fê-lo com mérito repetidamente reconhecido. O seu percurso profissional levou a que tenha sido uma voz crítica do subfinanciamento crónico do ensino superior e da investigação científica em Portugal. Talvez por isso, a sua nomeação como ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tenha sido tão surpreendente. Especialmente quando, para a pasta da Educação, o primeiro-ministro escolheu João Costa, um homem com experiência governativa e alinhado com o PS. Não que Elvira esteja desalinhada com os socialistas - afinal faz parte de um governo cor de rosa - mas estará menos comprometida com os últimos anos de governação PS. Esse facto ficou bem claro na recente visita da ministra à Universidade da Madeira. “Estamos há três meses no Governo e é evidente que não se ia alterar o que durante mais de uma década ninguém fez”. Qualquer um concordaria com a afirmação, mas poucos a diriam com a autoridade da ministra. Não satisfeita com a crítica velada aos anteriores governos – a maioria do PS –, Elvira Fortunato deixou ainda clara a sua preocupação com o financiamento das universidades ultraperiféricas. É certo que a ministra não deixou compromissos públicos e que a recente governação socialista desaconselha qualquer otimismo exacerbado, no entanto as declarações de Elvira têm um peso político inédito para as universidades da Madeira e dos Açores. Pela primeira vez, um ministro reconheceu, de forma tão clara, a injustiça financeira a que está votado o ensino superior insular. Por agora, o curto tempo de mandato é amigo da ministra. Daqui a uns meses será o seu maior julgador.