Corredores de terror
Enquanto muitos madeirenses saltam de arraial em arraial, de festival em festival, cantam ao som de artistas consagrados, outros vivem num corredor de terror, no sexto andar do Hospital Dr Nélio Mendonça.… são pernas, pés, ombros, braços, que estão partidos, deslocados, estilhaçados… gritos abafados de dor, de medo, de angústia, de impotência, de tudo o que a dignidade humana não devia permitir.
Estão semanas e por vezes meses cheios de dores, meio anestesiados com anti inflamatórios, analgésicos e até morfina, à espera de cirurgias que nunca chegam e quando chegam o problema está muito pior e a recuperação é mais difícil.
A grande maioria dos doentes, vive com ordenados ou pensões miseráveis, por isso, a alternativa é se jogarem do sexto andar – a morte acaba com todas as dores, ou então, que arranjem milhares de euros, para uma clínica privada. Peçam emprestado, assaltem um banco… O estado não tem dinheiro para tudo... a saúde não é uma prioridade.
Nesta ilha em que o ordenado mínimo, mal dá para alugar um T0, em que a grande maioria das reformas, quase nem dá para os medicamentos, nesta ilha mágica, onde se gasta milhões em betão, em futebol, em festas… existem corredores de terror, comandados por alguns robots implacáveis, poderosos, que dizem que a culpa é do sistema, que a lista de espera é grande (onde está a lista? Quais são os critérios? Quem fiscaliza?), que estão a fazer tudo o que é possível, mas dizem isso, com aquele tom arrogante, de quem sabe, que se um dia adoecer ou alguém que lhe é próximo, terá todos os meios à sua disposição, porque ou têm dinheiro, ou têm cunhas.
A culpa é do sistema, não existem meios, mas, descarregam a sua frustração em quem vive nos corredores do terror…Olham os doentes como se fossem sanguessugas, como fracos… a culpa é dos doentes… claro, não tivessem partido nada e não estariam ali… não há vagas. Ponto final.
Felizmente, nestes corredores de terror, também trabalham humanos e fazem de tudo, para atenuar o sofrimento de quem sofre…são carinhosos, desempenham o seu trabalho cumprindo o que está escrito no juramento de Hipócrates – “A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação”.
Mas os robots implacáveis, quase todos com muitos anos de serviço, é que mandam, por isso os humanos pouco podem fazer.
Quem não conhece um familiar ou amigo, que está há anos à espera de uma cirurgia, com a qualidade de vida seriamente afetada, que tem consultas desmarcadas sistematicamente nos centros de saúde e no hospital, que está à espera que alguma máquina seja reparada para fazer um exame, que está no hospital com situações urgentes à espera de cirurgia.
Sabemos, mas ficamos calados, por medo, por comodismo, por falta de coragem, por excesso de resiliência, porque não queremos problemas.
Os políticos de todos os partidos, os jornalistas, quem tem poder para fazer pressão...deveria estar mais atento...porque o que se está a passar é muito triste.
O livro de reclamações existe…quem está nos corredores do terror que reclame…dizem os amigos e familiares, mas cuidado, os robots são mesmo implacáveis, são poderosos.
E lá vem o medo, que é tanto ou mais corrosivo que a dor e por isso, suportam tudo, à conta da porra do medo.
Um dia vão ser curados…podem só ficar com 50% de mobilidade, nunca mais fazer uma caminhada, nunca mais dormirem uma noite sem dor, mas o livro de reclamações? Não.
Têm medo de reclamar... reclamar é quase pior que morrer...podem voltar a precisar e os robots implacáveis vão estar lá.
Freud disse “Quando a dor de não estar vivendo, for maior que o medo, a pessoa muda”
É preciso mudar, exigir, reclamar, lutar contra os robots implacáveis e acabar com os corredores de terror, porque, qualquer um de nós, um dia, pode ir lá parar.
Anabela Sousa