Flashes
De há uns tempos para cá, colho o instante; o karma de escrever sobre o que me apoquenta. Ah, já sei, os Flashes são notas verbais sobre os dias com albatrozes na alma, daí este meu jeito de compor diários, quais velas rotas inclinadas ao vento.
Seló! Seló! Dirás da proa da ilha, à psicadélica aparição da nave dos loucos. Ei-la, a deslizar. A desandar. Salta-lhe à vista o corpóreo de barco e tu juras que tal geringonça seja mau agouro político. Eu acho que é viés filosófico, algo assim. Ou, então - deriva às vezes no navegar à vista, outras vezes no chegar à ilusão de algum bom porto -, a sina que nos coube.
Não há dúvida que a Baía é linda. Reentrância lânguida do mar à procura de um rio seco que jamais desemboca. Beleza pura. E, na cidade mal-acordada, vou de automóvel até ao Mercado de Peixe, e é uma sinfonia o nascer de cada manhã. Penso que a máquina do mundo, apesar de parafuso a menos, poderia funcionar. Mas não é o caso. Algo, sub-repticiamente, insiste no pandemónio. Tudo isso, assim contado, se não vivido, ninguém acredita.
Mas há coisas gratificantes. O ver de perto o nascer de uma árvore, de um filho ou de um livro. O contemplar a explosão, alguma vez silenciosa, da tessitura criativa. Sem vestir as vestes (as incessantes vestes, diria) de uma grande personalidade, que irrecusavelmente é, o Autor lavra uma escrita sólida, coerente e necessária. Será um livro de memórias? É antes um desengavetar as suas provas existenciais e históricas, de itinerários bem encadeados na cronologia e talhados ao rigoroso lastro documental.
Guimarães Rosa (de quem sou devoto) dizia sobre o “remar com esforço simulado” contra a maré e eu lembro-vos da sina de sumir na curva, mareado que estou na cantoria do canta, irmão. Para mim, já deu!
Mais, não digo. Por hoje, apenas isto. Nem mais uma linha sobre o instante, que estou num daqueles dias. Acontece...