Dois anos após explosão de Beirute, peritos da ONU pedem investigação internacional
Um grupo de especialistas independentes da ONU lamentou hoje que, dois anos após a explosão devastadora e mortífera no porto de Beirute, a população libanesa ainda aguarde por justiça e pediu a realização de uma investigação internacional.
"A tragédia foi uma das maiores explosões de origem não nuclear na história recente e o mundo nada fez para compreender porque é que tal aconteceu", declararam seis peritos mandatados pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU, que, porém, afirmam que não estão a falar em nome da organização.
"No segundo aniversário da explosão [04 de agosto de 2020], constatamos, com desânimo, que a população libanesa ainda aguarda por justiça, pelo que pedimos a realização de uma investigação internacional sem demora", acrescentaram os seis especialistas, defendendo que a explosão revelou "problemas sistémicos de governação negligente e corrupção generalizada".
Entre os peritos figuram os relatores especiais da ONU para as Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Morris Tidball-Binz, e para os Direitos Humanos e Ambiente, David Boyd, bem como Obiora Okafor, especialista independente para os Direitos Humanos e para a Solidariedade Internacional.
A gigantesca explosão de há dois anos, que as autoridades libanesas têm atribuído oficiosamente a um incêndio num depósito no porto onde se encontravam armazenadas cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amónio, provocou mais de 215 mortos e cerca de 6.500 feridos, bem como deixou mais de 300.000 pessoas desalojadas e fez mais de duas dezenas de desaparecidos.
Organizações não-governamentais (ONG) têm denunciado o facto de ainda não terem sido apontados responsáveis pela catástrofe, situação desencadeada, segundo apontam, por uma justiça inoperante, associada à ideia generalizada entre a população de que os políticos libaneses são corruptos.
As mesmas ONG têm vindo a lembrar que a crise política então aberta no Líbano, ainda em agosto de 2020, está por concluir, face aos sucessivos desentendimentos entre os políticos, o que mergulhou ainda mais o país numa já existente grave crise económica.
Também hoje, 11 organizações de defesa e promoção dos direitos humanos, entre elas a Amnistia Internacional (AI) e a Human Rights Watch (HRW), defenderam que o Conselho dos Direitos Humanos da ONU deve aprovar uma resolução, em setembro próximo, para criar uma missão independente para investigar a explosão no porto de Beirute.
"A missão deve apurar os factos e as circunstâncias, incluindo as causas da explosão, para que se possa estabelecer a responsabilidade individual e estatal e ajudar as famílias das vítimas na procura da justiça", defendem as organizações.
Até hoje, a população libanesa e, sobretudo os familiares das vítimas, não recebeu qualquer resposta oficial sobre as causas da explosão, cuja investigação nacional está paralisada desde o final de 2021 devido aos contínuos desentendimentos políticos.
Denunciadas por negligência criminosa, as autoridades são acusadas pelos familiares das vítimas e por várias organizações internacionais de criar obstáculos às investigações para evitar as acusações.
A 23 de dezembro de 2021, Tareq Bitar, juiz escolhido em fevereiro desse ano para liderar a investigação à explosão, foi obrigado a suspender, pela quarta e última vez, as investigações após mais um recurso interposto por ex-ministros, que o acusaram de obstrução à investigação.
Os ex-ministros libaneses Ali Hassan Khalil e Ghazi Zeaiter, associados ao Hezzbollah, o movimento xiita libanês pró-iraniano, apresentaram um total de 18 denúncias contra o juiz Bitar por obstrução da investigação.
O magistrado, que viu vários dirigentes políticos, de todos os quadrantes, se recusarem a ser interrogados, tem estado sob intensa pressão, em particular do Hezbollah, que tem exigido a sua demissão.
Outros dirigentes políticos, porém, temem que o magistrado tenha o mesmo destino que o seu antecessor, Fadi Sawan, demitido em fevereiro de 2021 após acusações de obstrução à justiça feitas por altos funcionários governativos.
Com sede em Genebra, o Conselho de Direitos Humanos da ONU é composto por 47 Estados-membros que se reúnem regularmente em sessões, com a próxima a decorrer entre 13 de setembro e 07 de outubro.
Nas sessões, os Estados-membros podem decidir mandatar especialistas para investigar situações com impacto nos direitos humanos.