A vida que nos mói: a dor que nos mata
Porquê que se matam os homens, de uma morte precoce e fugaz, seguindo um voo direto, em direção ao fundo do abismo, pináculo abaixo, ao invés do cacarejar despropositado daquelas aves que conhecemos?
Morreram-me dois assim: dois grandes amigos de juventude distintos um do outro. No mesmo lugar. Um, loquaz e intrépido no maldizer; outro, morno de sentimentos e tolhido de aventura. Mas cruzaram-se ambos na mesma vertigem descendente, desgovernados, na máxima aceleração de um corpo em queda livre – vejam esta palavra - de acordo com a lei da gravidade. O primeiro, contando do fim para o princípio, atirou-se no escaldar do dia, já em agosto; o segundo, num domingo, ao fim da tarde, do soturno mês novembro. Tiveram o condão despropositado – vamos lá saber porquê? - de terem desistido dos homens, de toda a humanidade que possuímos, uma vez que Deus não é chamado para aqui.
Entregues à sua morte, por conta e risco, nem sequer sentiram a dureza do calhau seco e firme, resvés com a lonjura do mar. Que mal receberam de nós, aqueles que os conheceram? Que castigo nos quiseram infligir?
O que eu sei, ou talvez venha a compreender, é que entre tais aves não há passa-culpas. Todas seguem o mesmo instinto de bico no chão para matar a fome e a sede. Uma fome e uma sede mecânicas. Um viver circunstancial que imita apenas a vida. Sem vontade e sem alegria. Por isso, cacarejam tão estupidamente.
Tenho medo que eu e aqueles que me rodeiam, todos nós, fiquemos pelo cacarejar diário das coisas utilitárias, instrumentais, tantas vezes fúteis e estúpidas, e que, nesse cacarejar, a vida – a vida no seu esplendor - nos escorra por entre os dedos sem sentido, isto é, que sejamos o pináculo de nós mesmos.
Que dor haverá em cada um de nós para morrermos assim?
Um abraço, Daniel, do João Carlos.
João Carlos Gouveia