Turquia(2): peregrinando pelas rotas da História
E deixaram-no vir? À saída do aeroporto agigantado de Istambul, à espera do autocarro, dias antes do dia dos avós e idosos, fala-se da idade dos mais velhos. E logo um perguntou: “e deixaram-no vir” (com 92)? E a resposta: não sou escravo. O idoso atreveu-se a fazer esta maravilhosa excursão e peregrinação. E formação permanente sobre o “berço da civilização” (Erdem Yucel, Raif Ukul), nome dado a Istambul e de “berço da História” dado a Capadócia (Omer Demir) que as impressões gerais de dez dias de visitas explicadas pelo guia Dino, doutorando em estudos bizantinos, confirmam. As Rotas da História passaram por ali, todas ou quase todas. A nossa foi por sete grandes cidades e dezenas de outras num percurso de 2600 kms de auto-estradas modernas, de três e quatro pistas em cada sentido. O guia sintetizava de forma clara as camadas da História em muitos pisos sobrepostos da Pré-História à atualidade e ainda contava algumas histórias e lendas.
Istambul, concentrado do mundo de 25 milhões em povos, terra, ar, mar, Europa e Ásia, oferece muitas leituras algumas à espera de ser lidas. Resumem a Turquia e marcam qualquer excursão. Alguns títulos bastam para pôr a cabeça à roda em imaginação acelerada. As camadas e rotas assombram pelo seu pluralismo cultural: pré-históricas, hititas, persas, helenistas, macedónias selêucidas, romanas, proto-cristãs, viagens de S. Paulo, suas cartas, Atos dos Apóstolos, Apocalipse, Império romano do oriente, Bizantinos, Turcos, Império Otomano, república turca laica. Tudo está documentado com centenas de cidades, monumentos e ruínas sobre e debaixo do solo. Os turcos, mongóis do norte da China, conquistaram e mudaram de nome para Otomanos, fizeram-se Muçulmanos e serviram-se da famosa Rota da Seda até à China com os Caravanserai (estalagens). Mas como se distinguem turcos, árabes, persas, selêucidas, macedónios, cristãos, sunitas, xiitas, etc., etc.? Só voltando para escola para aprender as camadas históricas. Não será fácil. Dá em vertigem. As línguas e as religiões contam. E lá vem a língua turca desde a Mongólia ao encontro de lastros de línguas hebraica, aramaica, grega, latina, árabe, que formam diferentes camadas, misturas e rotas múltiplas de culturas, não fossem muitos filósofos, escritores e poetas gregos nascidos na Turquia; não tivesse sido a Anatólia atravessada pelo macedónio Alexandre Magno, não tivessem os primeiros seguidores de Cristo “invadido” a Ásia Menor com o Evangelho em grego e a Bíblia em hebraico, marcando povos e dezenas de cidades logo no século primeiro. Alto lá! E os pré-hititas a iniciar cidades subterrâneas na Capadócia desde a Pré-História de há 10 mil anos; e os primeiros cristãos a protegerem-se em algumas das 36 até ao séc. XI, algumas das quais engolem milhares de turistas de muitos povos como nós visitámos a de Ozkonak.
Mergulha-se hoje na Turquia de mil camadas e tradições culturais, e muito desenvolvimento. Mas, repito, não perguntem muito como se distinguem hoje esses povos e camadas culturais na Turquia moderna europeia e asiática, muçulmana e laica, nem se a influência cultural neste país continua a vir mais da Rússia, da França, Alemanha, Estados Unidos ou Inglaterra. As camadas estão de tal maneira tecidas como os seus tapetes, pintadas como as suas cerâmicas, cozinhadas como as suas gastronomias ancestrais e modernas! Não dá muito para entender. Bem, a camada islâmica é espessa e de muitos minaretes e vozes, mas claro, o verbo helénico e cristão são mais profundos. Entram as línguas e suas camadas de culturas: turca de caracteres árabes e latinos (em 1929), o grego e o latim. Os turcos conquistadores tornaram-se otomanos por obra de Orthoman (Orman) no século V e de turco-otomanos passaram a muçulmanos no século XI-XIII. Depois aliaram-se aos selêucidas grego-macedónios, e em 1453, já otomanos-islâmicos, conquistam parte da Europa: Bulgária, Sérvia e Hungria, chegaram até Viena, todo o norte da África, Egito, Mar Vermelho, Golfo Pérsico, Síria, todo o Mar Negro e suas costas, Cáucaso…e formaram o império em que dominava o Islão com o Califa-“Papa”. Não conseguiram conquistar Viena, nem a Grécia ou Itália, apesar dos grandes exércitos e armadas dos sultões ora vitoriosos, ora derrotados em várias batalhas. Uma delas, Lepanto, em que alguns Irmãos de S. João de Deus cuidaram dos feridos. As rotas dos portugueses pelos Oceanos e mares até ao extremo Oriente dificultaram-lhe a vida. O império otomano criou alianças sucessivas com a Rússia, com a França; e na I Grande Guerra, com a Alemanha. Perdeu e ficou sem califado, reduzido à Turquia, em 1922, com o general Mustafa Ataturk a resistir, o qual estabeleceu a república laica e livre nas práticas religiosas, e língua com caracteres latinos. Permitiu ao patriarca bizantino que continuasse em Istambul. A nossa peregrinação laica visitou o mausoléu monumental de Ataturk em Ancara, nova capital, e o seu museu. Os pontos altos depois de Istambul foram a Capadócia, uma região a significar país de cavalos de inúmeras cidades: Neveshir, Avanos, Urgup, Goreme, Ozkonar, Aksaray, etc. Turquia, país descentrado com Istambul e Bursa a somar 40% do comércio, indústria, dinheiro, influência, desenvolvimento e política, um presidente no poder, há 16 anos, e muitos a dizerem: basta, “es ist genug”, como dizia um reformado de banco em Avanos com familiares na Alemanha. É país tampão euro-asiático, candidato à UE, membro da NATO, mediador entre Zelensky e Putin para o pão chegar aos esfomeados em troca de dividendos políticos. Turquia, 22-31 de Julho de 2022/
Aires Gameiro